Por Rana Laura
A atual forma de governo que vivemos, no Brasil, é a Democracia. Traduzindo do grego, a palavra significa demos=povo e krato=poder. Desenvolvido em Atenas, na Grécia, é basicamente um sistema de governo onde o povo governa para o povo, seja por meio da Democracia Direta, Participativa ou Representativa.
Mas, antes de falar sobre quais são as suas formas, vamos entender como foi o percurso da Democracia no Brasil, que, apesar de curto, é cheio de altos e baixos. Observe esta linha no tempo:
Você pode conferir mais detalhes sobre esses períodos no site da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, basta clicar aqui.
A Democracia é vista pela maioria das pessoas como uma forma legítima de organização. Isso porque o mundo já contou com diversas outras formas de organização política, que trouxeram diferentes consequências para os países que as adotaram. As mais comentadas são:
Forma de organização | Como funciona | Exemplo |
Monarquia Absoluta | As decisões políticas ficam sob responsabilidade do rei ou rainha, que governa sobre tudo e todos. | O período atual, na Árabia Saudita. |
Monarquia Constitucional | Apesar de ainda existir a figura do rei ou rainha como representante da nação, as decisões políticas são de responsabilidade do primeiro-ministro, o chefe do estado. | O período atual, na Inglaterra. |
Governos Autoritários / Ditadura | O controle político sobre o estado é exercido por uma pessoa ou determinado grupo, de forma que as regras e leis são ditadas por estes, com restrição de direitos constitucionais e cidadãos. | A Ditadura Militar, no Brasil. |
Governos Totalitários | O estado totalitário controla desde os limites do poder político das pessoas ao que elas podem falar, fazer, consumir e exercer nos momentos de trabalho e lazer. | O Nazismo, na Alemanha. |
Democracia Direta
Na Democracia Direta, as pessoas podiam decidir diretamente sobre assuntos políticos ou administrativos, individualmente. Porém, com o aumento do número de pessoas consideradas cidadãs e a dificuldade para contabilizar votos, este modelo deixou de ser utilizado.
Democracia Participativa
Nem Direta, como o exemplo acima, e nem Indireta, como o exemplo abaixo. Na Democracia Participativa, existem as eleições para o Executivo e Legislativo, mas a população também participa da tomada de decisão, como aprovação ou não de um projeto, distribuição de fundos e recursos, por meio de audiências, conselhos e plebiscitos ou referendos (aquelas consultas feitas à população, antes ou depois de ser estruturado um determinado projeto que tem impacto nacional).
Democracia Representativa
Contabilizar voto por voto para eleger um presidente ou governador de um estado populoso não dá, né?! Difícil… Mas aceitar que outras pessoas escolham sem a sua permissão também é complicado. Por isso, existe a Democracia Representativa.
Nela, está previsto um Estado Democrático de Direito, onde todos os cidadãos são iguais perante a lei, a constituição (que é a carta magna de direitos e deveres de um país) não pode ser desrespeitada e, por último, mas não menos importante: os cidadãos elegem, por meio do voto, quem irá governar em seu nome, por meio dos Poderes Executivo e Legislativo.
Estamos vivendo, no Brasil, uma crise democrática, que é expressa, significativamente, na falta de representatividade política. A representatividade nada mais é do que a representação literal de um interesse por meio de uma pessoa sobre um determinado grupo.
Ela é importante porque mostra que alguns grupos têm demandas diferentes dos demais, que precisam ser pautadas, como negros, mulheres, indígenas, LGBTQIA+, pessoas com deficiência, população em situação de rua e etc.
VALE LEMBRAR: O direito de votar, no Brasil, foi bem excludente. Por muito tempo, indígenas, mulheres, negros e pobres não podiam votar. Estes grupos, historicamente marginalizados, são sub-representados até hoje e encontram muitas dificuldades de candidatura e eleição nas disputas eleitorais.
No nosso país, os negros correspondem a 56% da população e as mulheres respondem por 51%, segundo os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas, quando falamos em negros ou mulheres em cargos de poder, não estamos falando da maioria, muito pelo contrário: vivemos em um cenário onde a minoria decide pela maioria.
Mesmo em meio a altos e baixos, a Democracia Representativa ainda é a melhor forma de governo que tivemos. Apesar disso, no Brasil, o respeito à Democracia segue oscilando. Eleger mulheres, negros, indígenas, pessoas LGBTQIA+ e demais grupos subrepresentados é defender esse sistema, que tem como possibilidade garantir dignidade e avanços a todos os grupos. Faça a sua parte!
Sobre a autora: Rana Laura é graduanda em Direito, técnica em Administração pela Escola Técnica Estadual (Etec), embaixadora Politize! e criadora de conteúdo. Atuou em três campanhas eleitorais e foi voluntária no Movimento Elas na Política. Cresceu na periferia de São Vicente (SP), sonhando entre livros didáticos de História e Sociologia. Na adolescência, presidiu grêmios estudantis e projetos sociais. Apaixonada por rap e coordenadora da Educafro, protagoniza seus 22 anos como entusiasta da cidadania.
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REFERÊNCIAS UTILIZADAS NO CONTEÚDO:
Conteúdo revisado em 12 de dezembro de 2023.
Por Bárbara Melo
Falar sobre ideologia de esquerda ou de direita é como falar sobre uma espécie de “bicho papão”. Afinal, vivemos um momento em que fugir dos chamados “extremos” é um ideal buscado por parcela significativa da sociedade. Na intenção de tirar a máscara desse “monstro”, escrevo esse texto, expondo brevemente o que são esses conceitos e trazendo algumas provocações.
Muito antes de Cazuza, o filósofo francês Conde de Tracy apresentou o conceito de ideologia. Seu objetivo era desenvolver uma ciência para compreender como ocorre a formação das ideias na cabeça das pessoas. Essa ciência seria chamada de ideologia. Tracy era um iluminista, acreditava na força das ideias de seu tempo, sendo, à época, um adversário político de Napoleão Bonaparte, que o acusava de ideólogo, a fim de rebaixar suas proposições filosóficas, já que essas vinham agitando a sociedade burguesa do século XIX.
Mas com o passar do tempo, a palavra ideologia foi tomando novas formas. Karl Marx atribuía a ideologia à percepção da realidade. Ele acreditava que ela vinha de uma classe dominante e formava as ideias da sociedade de sua época – ideias essas que eram absorvidas por todos, até por aqueles que eram explorados.
Muitas outras figuras atribuíram significado à palavra. Mas, basicamente, a ideologia pode ser resumida como a maneira em que um conjunto de pessoas pensam. E, mesmo sem parar para refletir sobre isso, os grupos sociais carregam, em sua formação, algum tipo de ideologia.
Lá na época da Revolução Francesa de 1789, durante a realização da Assembleia Constituinte, havia grupos organizados, os girondinos e os jacobinos. Os primeiros eram de camadas mais ricas da sociedade, sendo mais conservadores e conciliadores, que se sentavam à direita. Já os jacobinos eram considerados mais radicais e sentavam-se à esquerda da assembleia. Vale ressaltar que a Revolução Francesa foi um processo conduzido pela burguesia. Mulheres e pessoas pobres não participavam dos debates da época e as questões que dividiram os participantes entre direita ou esquerda não são as mesmas que hoje dividem essas visões políticas.
Como ideologia é uma forma de pensar, ser de direita ou de esqueda está ligado a forma como a pessoa pensa a sociedade. As pessoas de direita ou de esquerda têm pensamentos diferentes de como devem atuar o Estado e o mercado, por exemplo. E esse pensamento guia a forma com que as políticas públicas serão executadas por cada um desses grupos políticos, caso cheguem ao poder.
Pode-se dizer, de forma mais simples e direta, que o Estado é o conjunto das instituições que administram o país.
Exemplo de instituições: Presidência da República, Prefeitura, Ministério Público, Câmara dos Deputados… Ou seja, poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. O governo é o grupo político que está à frente do Estado. Neste ano, vamos votar para eleger representantes para os cargos municipais, escolhendo vereadoras(es) e prefeitas(os).
É onde ocorre o processo de trocas de bens e mercadorias. Este local não é uma estrutura física, mas um termo para exemplificar o sistema de trocas, ou seja, a relação entre a oferta e a demanda. Existe, por exemplo, o chamado mercado de trabalho, que é a relação de troca entre capital e trabalho.
São ações do Estado para colocar em prática o que é previsto em lei. Por exemplo: os benefícios sociais são políticas públicas, previstas na Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS).
Agora que já sabemos o que é Estado, o que é mercado e o que são políticas públicas, vamos entender por que eles são tão importantes.
Os pensadores econômicos que acreditam na autorregulamentação do mercado, ou seja, que as leis de oferta e demanda se ajustam, defendem que o conjunto das instituições públicas, seja o Executivo, Legislativo ou Judiciário, devem atuar para deixar que o mercado aja livremente. Segundo eles, se o Estado interferir demais, ele provoca uma série de consequências ruins na economia. Esses pensadores se organizam, conjuntamente, aos partidos e organizações de direita.
Já as organizações de esquerda atuam como contestadoras dos grupos que estão no poder econômico e acreditam que o mercado, no capitalismo, não será capaz de atuar para garantir o equilíbrio na sociedade e o acesso de todos a seus direitos. Por isso, elas acreditam que é papel do Estado atuar de forma mais incisiva na economia. Não à toa, as privatizações são feitas com maior volume quando o país é governado pela direita. Nos discursos de direita, a liberdade econômica também tem um tom elevado, bem como o merecimento individual, enquanto que, nos de esquerda, a promoção dos direitos sociais tomam lugar de destaque.
A relação entre sociedade e mercado é uma questão estrutural. A partir dela, a materialização da vida ocorre. É ela, por exemplo, que determina o preço do pão e se as pessoas vão comer. Mas também existe uma série de outras questões para além dessas. Portanto, é muito difícil as ideologias caberem apenas em dois partidos. Afinal, a pluralidade partidária de expressões de ideias faz parte da democracia.
Ocorre, porém, no Brasil, um fenômeno chamado fisiologismo, ou seja, partidos políticos são formados como espécie de “partidos de aluguel”, onde as ideias não estão muito claras, ficando, portanto, difícil para o eleitor se encontrar nessa salada de siglas. Assim, a separação entre partido político e ideais impacta negativamente na educação política do eleitorado.
Por isso, é tão importante a gente se reconhecer enquanto sujeito político e entender mais daquilo que acredita, pois só com uma sociedade ligada na política será possível interferir, de fato, nos rumos do país. A democracia não é só ir lá e votar. Existem muitos interesses em jogo e que se mantêm em constante movimento. Se a gente ficar parado e não conhecer bem as ideias de quem estamos votando, a política brasileira será como na época da Assembleia Constituinte, lá na Revolução Francesa: só com homens, todos brancos, sem a participação do povo e com baixa representatividade da nossa realidade.
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Sobre a autora: Bárbara Melo tem 27 anos e é de Senador Camará, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Militou no movimento estudantil por dez anos, já presidiu a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, fez parte da União Estadual dos Estudantes (UEE), do Centro Acadêmico de seu curso na graduação e da União Brasileira de Mulheres. É formada em Gestão Pública pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pós-graduanda em Ciência de Dados. Em 2020, foi candidata à vereadora pela Campanha Delas. Hoje, trabalha com políticas públicas na Secretaria da Mulher do Município do Rio de Janeiro.
Conteúdo revisado em 12 de dezembro de 2023.
Por Jaqueline Saiter
De influência norte-americana, o Presidencialismo é um sistema de governo criado em 1787, a partir da Constituição dos Estados Unidos da América (EUA). Desde então, é um sistema único, que carrega suas características originárias para diversos países. Aqui mesmo, na América Latina, praticamente todos os países adotam esse sistema, incluindo o Brasil.
Tal sistema surgiu como forma de substituir o Regime Monárquico ao qual os Estados Unidos vinham sendo submetidos, já que se apresentaram como colônia da Monarquia Inglesa, até 1776, quando houve sua declaração de independência e consequente proclamação da República. Na tentativa de se criar algo que fosse totalmente diferente do poder absolutista exercido pelo monarca inglês, surgiu a figura do presidente da República.
No Presidencialismo, o presidente da República representa a autoridade de destaque, por muitos chamada de autoridade unipessoal, assumindo duas funções de extrema relevância: a Chefia de Estado e a Chefia de Governo. A Chefia de Estado é aquela que se configura como uma função representativa do Estado no âmbito internacional, por meio do exercício de atos, como declarar guerra e assinar tratados. Já a Chefia de Governo, por sua vez, representa as funções internas de cunho administrativo, constituindo, assim, a Chefia do Executivo.
Apesar de ser um personagem imponente dentro da República, o presidente deve governar, pautando-se em um dos princípios norteadores do Presidencialismo, o princípio da Separação dos Três Poderes. Dessa forma, em uma República Presidencialista, deve haver a convivência independente e harmônica entre os poderes Legislativo, Executivo (do qual o presidente é chefe) e Judiciário.
Além disso, o presidente da República exerce suas funções com o auxílio do seu Conselho de Ministros, livremente composto por ele, que escolhe indivíduos de sua inteira confiança. Essa, inclusive, é uma das principais diferenças entre o Presidencialismo e o Parlamentarismo: enquanto no primeiro os ministros são escolhidos e nomeados livremente pelo presidente, dentre qualquer um do povo; no segundo, os ministros devem fazer parte do Parlamento, ou seja, é pressuposto ao cargo de ministro ser deputado, escolhido previamente pelo povo.
Já que ressaltamos uma das diferenças entre o Presidencialismo e o Parlamentarismo, cabe apresentarmos outras características que distinguem tais sistemas. Com efeito, a República Presidencialista, adotada no Brasil e nos EUA, por exemplo, em muito se difere da Monarquia Parlamentar, praticada na Inglaterra e na Espanha.
Um dos pontos de divergência entre tais sistemas de governo está na duração do mandato do Chefe de Estado. Na República Presidencialista, vigora o princípio da temporariedade, em que o presidente permanece no cargo por tempo determinado, podendo ser por quatro, cinco ou seis anos (ou outro prazo a ser definido pelo país). Já na Monarquia Parlamentar, prevalece o princípio da vitaliciedade, pois o rei ou a rainha permanece no cargo até a sua morte.
Não podemos nos esquecer de que, na Monarquia Parlamentar, o rei ou a rainha exerce apenas a Chefia de Estado, enquanto que a Chefia de Governo é exercida pelo primeiro-ministro, governante advindo do Parlamento (deputado) e escolhido pelo povo. No Presidencialismo, o presidente da República assume as duas funções: ele é o chefe de Estado e o chefe de Governo (ambas as funções são exercidas de forma concomitante).
Outra característica marcante é a elegibilidade, isto é, o presidente da República tem acesso ao cargo por meio de eleições, que poderão ser diretas (populares) ou indiretas (pelo Congresso Nacional), podendo ser qualquer indivíduo do povo, desde que cumpra algumas condições de elegibilidade, como a idade mínima de 35 anos, a filiação partidária, a nacionalidade nata, entre outras. É o que dispõem os artigos 77, 80, 14, §3º, da Constituição Federal de 1988 (CF/88).
No Brasil, o presidente, uma vez eleito, exercerá um mandato eletivo de quatro anos, sendo possível apenas uma reeleição subsequente. Destaque que é vedado, somente, o terceiro mandato eletivo consecutivo. Porém, não há qualquer vedação para o retorno à Presidência após intervalos eleitorais, o que se distingue do previsto no ordenamento norte-americano, por exemplo, em que se permite apenas o exercício de dois mandatos presidenciais, não sendo possível o retorno, ainda que alternado.
Em uma Monarquia, o rei ou a rainha assume o cargo de forma hereditária, pois o trono é passado entre as gerações de uma mesma família, vigorando o princípio da hereditariedade. Contudo, o Parlamentarismo pressupõe a presença de um chefe de Governo que ocupe o cargo por meio de eleições. Este é o papel do primeiro-ministro, que é eleito entre os deputados que compõem uma chapa partidária no Parlamento e que foram eleitos diretamente pelo povo.
Outra característica importante é a responsabilidade presidencial. Em uma República, como bem diz a origem da palavra res publica, a coisa é pública, ou seja, o Estado, a ser governado pelo presidente, é de todos, é coletivo. Desse modo, o presidente, que é o seu governante, responde pelos seus atos perante seu povo, podendo, inclusive, perder o cargo por crime de responsabilidade. Podemos citar os exemplos de Fernando Collor de Mello e Dilma Vana Roussef, ambos presidentes do Brasil, que sofreram a perda dos seus mandados em processo político-criminal, chamado de impeachment.
Outro ponto de grande discussão no Presidencialismo são as funções exercidas pelo presidente. Como visto, o presidente exerce a função de chefe de Governo, o que o coloca como chefe de um dos poderes, no caso, o Poder Executivo. Tal poder tem a função de governar o país, por meio da execução de leis. O presidente, portanto, funciona como o gestor da coisa pública.
Porém, mais do que um gestor da coisa pública, o presidente exerce, também, funções que são capazes de intervir nos demais poderes. O Presidencialismo tem como uma de suas marcas a capacidade que o presidente tem de interferir no processo de criação das leis, por meio do veto presidencial. Dessa forma, o presidente atua como fiscal do processo legislativo, a fim de garantir seriedade e rigor na produção legislativa. Não podemos nos esquecer de que a função de legislar fica a cargo do Poder Legislativo, que, por meio da criação de leis, rege e normatiza o comportamento humano, assim como a conduta do Estado.
Como dito, no Presidencialismo, tem-se o chamado poder de veto, que permite ao presidente exercer sua discordância de um projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional. Dessa maneira, o presidente, dentro de 15 dias, poderá se manifestar, declarando que não concorda com o projeto de lei. Para fazê-lo, deverá fundamentar pela inconstitucionalidade do projeto ou por ferir o interesse público. Lembrando que, se o presidente concordar com o projeto, deverá sancioná-lo.
Ainda referente à função legislativa, não podemos nos esquecer da capacidade que o presidente da República tem de editar medidas provisórias, que são uma espécie de norma com força de lei. Essa é outra função que se destaca ao presidente na gestão da coisa pública: poder agir em situações de urgência e emergência. Isso porque as medidas provisórias só podem ser editadas quando presentes a urgência e a relevância públicas. Do contrário, a medida se tornará inconstitucional e será “derrubada” pelo Congresso Nacional.
Além da interferência no Poder Legislativo, no Presidencialismo, o presidente também apresenta poder de intervir e, por que não dizer, sobrepor ao Poder Judiciário. Trata-se da prerrogativa que o presidente possui de conceder a graça ou indulto a apenados por decisão definitiva de juízes ou tribunais. Aqui, mostra-se nítida a interferência da chefia do Executivo nos julgados proferidos pelo Poder Judiciário.
Verifica-se que, no Presidencialismo, a figura do presidente exerce uma posição de destaque, seja perante o cenário internacional, como chefe de Estado, seja internamente, ao se sobrepor frente aos poderes Legislativo e Judiciário, como gestor da coisa pública. É fato que o seu governo é reflexo direto da sua individualidade, da sua pessoalidade. Por isso a importância de se escolher bem o presidente de uma nação! Ele constitui a fonte das decisões mais importantes do país, além de ter autoridade para exercer forte influência sobre os outros dois poderes.
Na verdade, mais do que influenciar, o presidente deve manter um bom relacionamento com os demais poderes, em especial, com o Poder Legislativo, pois constitui o meio mais eficaz de “assegurar a realização integral da sua política, uma vez que esta sempre dependerá de leis e da aprovação de verbas que a custeiem” (BASTOS, 1999, p. 171). Isso, no entanto, deve acontecer sem deixar de lado o bom convívio com o Supremo Tribunal Federal (STF), órgão do Poder Judiciário, capaz de inconstitucionalizar suas decisões e de dificultar sua tomada de decisão.
Desse modo, saber escolher bem o presidente do país continua sendo a melhor estratégia para garantir excelência na gestão da coisa pública, pois as eleições continuam sendo a melhor forma de separar os bons dos maus políticos. Por meio do voto, é possível premiar aquele que fez um bom governo e, ao mesmo tempo, punir aquele que fez um mau governo, não o elegendo novamente.
Tem-se, assim, que o Presidencialismo é um sistema centralizado na pessoa do presidente da República. Ele responde não somente pela gestão do governo, mas também, tem poder para influenciar os demais poderes: seja o Legislativo, por meio da interferência no processo legislativo; seja o Judiciário, por meio da escolha que faz dos seus ministros. Daí a importância de escolher bem quem tem o poder de conduzir uma nação.
Referências
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do estado e ciência política. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
FIGUEIREDO, Marcelo. Teoria geral do estado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009.
FRIEDE, Reis. Ciência política e teoria geral do estado. Rio de janeiro: Forense Universitária, 2002.
MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do estado: introdução. 2. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
Constituição dos Estados Unidos da América
Princípio da separação dos três poderes
Conteúdo revisado em 12 de dezembro de 2023.
Sobre a autora: Jaqueline Saiter é graduada em Direito, especialista em Direito Público e mestre em Direitos e Garantias Constitucionais Fundamentais. Trabalha como professora universitária há 15 anos, nas disciplinas de Ciência Política, Teoria do Estado, Direito Constitucional e Direito Eleitoral. Assina diversos artigos nas áreas destacadas, é autora do livro “As dimensões democráticas nas constituições brasileiras” e idealizadora do @vaiporelas_, uma plataforma de incentivo à participação política feminina.
Por Nathalia Laquini
A separação dos poderes faz parte do conjunto de princípios que formam as pessoas jurídicas responsáveis por estabelecer nossos direitos e obrigações, ou seja, eles modelam a nossa cidadania. Por mais que não sejam conceitos fáceis de serem visualizados, estão presentes em todos os atos do nosso dia a dia. Poderemos entender um pouco mais a seguir. Vamos juntas!
Como ponto de partida, é importante rever qual significado de Estado baseia nossa sociedade atual. O Estado é uma representação imaterial de um conjunto de instituições. É dentro dele que um povo se organizará. Para ser reconhecido como tal, é essencial que possua território próprio, passando a existir geograficamente, e que tenha total autoridade dentro desses limites, a chamada soberania.
Ao longo da história, vimos que esse poder de autoridade foi exercido por uma só pessoa, que representava as demais, tendo consequência de governos extremamente desiguais, ditatoriais e que não funcionavam para o bem-estar de todos (o poder sobe à cabeça?). Por isso, diversos teóricos analisaram quais seriam as melhores formas de organizar um Estado.
O iluminista francês Montesquieu, em sua obra “O Espírito das Leis”, sugere uma nova estrutura, que é a mais próxima da que usamos hoje. A ideia vem no sentido de dividir e organizar esse poder, dando competências distintas a três órgãos diferentes. A proposta descrita foi criada com o objetivo de impedir a concentração de poder em uma só pessoa, impossibilitando, assim, governos autoritários e abusivos.
O Brasil vive o chamado Estado de Direito, no qual a sociedade é regulada por leis e devemos obediência a elas. Isso garante nossos direitos e um ideal de segurança, de modo que o próprio governo também está submetido às regras. A base do Estado de Direito brasileiro é a Constituição da República, de 1988, que pode ser reconhecida como a Lei Maior do país. Todos os princípios e diretrizes democráticas brasileiras nasceram dela, inclusive a Separação dos Poderes, precisamente no art. 2º, onde diz: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”
Desse modo, cada um dos poderes deve atuar de maneira independente, com a possibilidade de fiscalização no eventual risco de exceder limites.
São, portanto, guardiões do poder máximo – que emana do povo -, mas dentro de suas atribuições próprias:
Quem tem a responsabilidade direta de executar as leis e planejar as políticas públicas, observando todas as normas vigentes no país. Em segundo plano, também deve sancionar (aceitar) ou rejeitar leis que são propostas pelo Legislativo.
A representação desse poder é chamada de Chefe do Executivo, sempre eleita pelo povo. Existem três níveis diferentes:
Quem deve criar e aprovar as leis. Também tem a atribuição explícita de fiscalizar a execução delas pelo Poder Executivo. Caso uma lei proposta seja rejeitada pelo Executivo, podem derrubar essa rejeição, em votação interna.
As representantes também são sempre eleitas pelo povo e estão nos mesmos três níveis:
Quem atua interpretando as leis, o que inclui julgar conforme a legislação ou dar orientações de como entendê-las, do melhor modo possível para a sociedade.
A representação no Judiciário é um pouco diferente, pois não há eleições. A entrada mais comum é por concurso público e, a partir daí, ocorrem indicações da Chefe do Executivo para avançar em cargos mais altos, dentro da hierarquia judiciária.
A guarda da interpretação da Constituição Federal é de competência do Supremo Tribunal Federal (STF), composto por ministros e ministras, que dão a última palavra sobre os julgamentos no país. Abaixo dele, está o Superior Tribunal de Justiça (STJ), também composto por ministros e ministras, que interpretam e uniformizam o entendimento das demais leis federais, com abrangência para todo o país.
As demais estruturas são compostas por desembargadores, que votam coletivamente em temas específicos, e por juízes de Direito, que julgam individualmente, de acordo com a competência que lhes foi atribuída.
Como já vimos, a separação dos poderes veio para manter a organização e controle da atuação estatal, garantindo direitos e cumprimento de normas. Então, é importante perceber como esse controle ocorre. Por mais que os três poderes sejam independentes entre si, podem (ou até devem) interferir nas atribuições um do outro, para manter o equilíbrio no Estado de Direito. As interferências são sempre para manter a harmonia social e garantir o bem-estar da coletividade, o que pode significar impedir que um dos poderes exerça uma agressão aos direitos (aí estão os freios), bem como substituir a atribuição daquele poder que está sendo omisso em agir conforme suas competências (fazendo os contrapesos necessários para manter a balança equilibrada).
É importante perceber, então, que a separação dos poderes não isola cada um deles, mas permite o seu trabalho em conjunto e cooperação. É possível, por exemplo, a intervenção do Poder Judiciário no Poder Executivo, para que os princípios básicos necessários sejam garantidos, obrigando que cumpram programas sociais, até então deixados de lado. Da mesma forma, podem dar interpretações de leis que supram a omissão do Poder Legislativo em determinado tema.
O STF julgou para dar às uniões homoafetivas o mesmo tratamento atribuído às uniões estáveis heterossexuais, em 2011. As discussões mudaram a interpretação da lei, que resumia família ao termo “homem e mulher’’ (Código Civil, art 1723), pois era perceptível que esse conceito não cabia na realidade da sociedade. Então, os ministros do STF utilizaram os princípios de igualdade da Constituição Federal para ampliar o entendimento dos termos, garantindo que casais do mesmo gênero também pudessem firmar essa união.
Porém, analisando as atribuições de cada poder, podemos perceber que o Legislativo já poderia ter elaborado uma lei para atualizar o que foi anteriormente destacado, ampliando há mais tempo o conceito de família, de modo a refletir o que já acontecia nos lares brasileiros. Como existiu uma omissão legislativa, o Judiciário teve que garantir esse entendimento.
É importante assegurar que os freios e contrapesos garantam a harmonia do sistema como um todo, mas o ideal é que cada um dos poderes consiga atuar amplamente dentro de suas atribuições, de modo que não seja necessária a invasão de competências de um para outro. Se percebermos que há reiteradas situações de intervenções desse tipo, é um sinal de alerta para a falta de real harmonia no Estado.
Conhecer para saber de onde partimos e para onde vamos
Por mais que vários sejam os órgãos responsáveis por elaborar as normas, monitorar, aplicar e tudo mais, não devemos nos esquecer da origem do poder, pois ela emana do povo. Assim, faz parte da nossa cidadania conhecer a competência de quem nos representa, seja em qual esfera for, entendendo quem está causando qualquer desequilíbrio na harmonia que tanto lutamos para conquistar.
Sobre a autora: Nathalia Laquini é pós-graduada em Direito Público pela PUC Minas e possui experiência com Inovação em Políticas Públicas, tendo trabalhado na Secretaria do Planejamento e Gestão do Ceará (Seplag-CE). Também realizou projetos para gestão fiscal, orçamento para resultados, planejamento estratégico e participação popular. Hoje, está na Seplag do Rio de Janeiro, na equipe responsável pelos instrumentos de planejamento (PPA e LDO), atuando na Rede de Planejamento do Estado e no grupo de trabalho para Inovação do Uso dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Referências Bibliográficas
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002.
MALDONADO, Maurílio. Separação dos poderes e sistema de freios e contrapesos: desenvolvimento no estado brasileiro. Revista Jurídica ”9 de Julho”, São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de Sao Paulo v.2, jul. 2003, p. 235-256.
Por Munah Malek
Como são definidas as prioridades de um governo? Como é dividido e aplicado os dinheiro do orçamento público? Quem define sua aplicabilidade? Como podemos influenciar de forma direta na política e até na distribuição dos recursos orçamentários? Entender o que são políticas públicas, como se dá sua formulação e controle é essencial para compreensão da importância dos planos de governo apresentados durante as eleições e te ajudar na hora de escolher quem serão as pessoas que te representarão no poder.
A cada eleição, por meio do voto, temos o direito de escolher quem serão nossos(as) representantes nas instâncias de poder parlamentar (Congresso Nacional, Assembléias Estaduais, Câmara Distrital e Câmaras Municipais). Durante o período de campanhas eleitorais, uma das coisas que mais escutamos falar é em políticas públicas. Mas, apesar do termo ter se popularizado no vocabulário brasileiro, muita gente não sabe exatamente o que são políticas públicas, tão pouco como elas são definidas e para que servem, ainda que tenham influência direta na vida de todas nós.
De forma bem simples, podemos entender as políticas públicas como um conjunto de ações que determinado governo (federal, estadual ou municipal) escolhe ou não fazer e que produzirá efeitos na sociedade. Ou seja, são os programas, ações e atividades que o poder público desenvolve, de forma direta ou indireta, nas diversas áreas, como saúde, educação, trabalho, lazer, cultura, habitação e transporte. Os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) são os responsáveis por criar, planejar e executar essas políticas, cada um com uma função específica. As políticas públicas podem ser de quatro diferentes tipos: distributivas, regulatórias, redistributivas e constitutivas.
Quer um exemplo de política pública? Clique aqui.
As distributivas são financiadas pelo orçamento público (valor arrecadado com os impostos) e têm como principal missão distribuir certos serviços, bens ou verbas para uma pequena parcela da população, em suas demandas urgentes e pontuais, como, por exemplo, pavimentação de uma rua ou auxílio para as pessoas que perderam suas casas em deslizamentos de terra e tempestades.
Já as políticas regulatórias, como o nome assinala, servem para regular a sociedade e, dessa forma, regular o bem-estar coletivo. Podem envolver processos burocráticos ou normas de comportamento, sendo dois bons exemplos a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança entre ocupantes de um veículo e a proibição do consumo de cigarros em ambientes fechados.
As políticas públicas redistributivas, por sua vez, possuem um caráter social, tendo como objetivo beneficiar parcelas menos favorecidas da população, onde o poder público deve atuar com mais presença, para avançar no compromisso constitucional de erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais, que devem ser os objetivos fundamentais do Estado. Como exemplos desse tipo de política, podemos citar a isenção de impostos para famílias de baixa renda e programas de transferência de renda.
Por fim, as políticas públicas constitutivas estabelecem as “regras do jogo”. Isto é, são elas que dizem como, por quem e quando as políticas públicas podem ser criadas.
Longe de serem uma equação de fácil resolução, as políticas públicas precisam envolver um ciclo de três estágios principais: elaboração, implementação e avaliação. É no momento da elaboração que os(as) gestores(as) públicos decidem quais ações devem ser implementadas para o problema a ser abordado e consideram os recursos (orçamento) disponíveis.
Na fase da implementação, são colocadas em prática as ações pensadas e desenhadas durante a fase anterior. Por fim, o período de avaliação, como o próprio nome sugere, é o momento no qual essas ações, programas e projetos, que foram escolhidos para compor uma determinada política pública, são avaliados.
No site da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), você pode encontrar uma série de cursos gratuitos (presenciais e virtuais) para aprofundar seus conhecimentos em políticas públicas. Saiba mais aqui.
É óbvio que a população “participa” do processo político ao eleger os(as) governantes, mas um sistema democrático deve prever o fortalecimento das instâncias de participação direta de seus cidadãos e cidadãs. Portanto, se nos predispomos a fortalecer a democracia, a participação popular precisa ser ampliada.
Para várias políticas públicas no Brasil, por exemplo, a partir da Constituição de 1988, foram instituídos mecanismos que previam a participação popular. Isso porque a própria Carta Magna foi elaborada sob a influência do processo de redemocratização do país, diretamente relacionado ao envolvimento dos(as) cidadãos(ãs) na vida política da nação.
É preciso não perder de foco que um gestor público, de qualquer um dos três poderes, deve, antes mesmo de mobilizar os recursos de que dispõe em seu orçamento, consultar os demais atores sociais envolvidos, uma vez que são, legalmente, obrigados a assegurar a participação popular em sua gestão. E são vários os espaços institucionalizados que devem garantir a participação direta da população: Conselhos de Direitos, orçamentos participativos, conferências nacionais sobre diversas temáticas, fóruns locais e regionais, além das oportunidades em que a população é chamada a opinar ou participar de decisões, como em audiências públicas
Se você quer conhecer melhor o orçamento participativo, acesse aqui.
Para saber mais sobre os Conselhos de Direito, clique aqui.
As políticas públicas podem, ainda, figurar tanto como uma política de Estado quanto como uma política de governo. A diferença entre elas é que uma política de Estado independe do governo e do governante para que seja realizada, já que é amparada pela Constituição Federal. Já uma política de governo pode depender da alternância de poder e das propostas apresentadas pelos candidatos e candidatas em seus planos de governo durante as eleições e, por isso, é tão importante que você os conheça antes de escolher quem serão seus(suas) representantes.
O Plano de Governo é um documento que deve ser, obrigatoriamente, apresentado pelas candidaturas ao Executivo (presidente, governador e prefeito), durante o período das eleições. Seu registro é feito no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pode ser acessado por qualquer pessoa (http://divulgacandcontas.tse.jus.br).
Apesar de não existir uma obrigação de cumprimento do plano apresentado, é por ele que podemos identificar as pautas prioritárias de cada candidato(a), para melhor escolher em quem votar. O Plano de Governo deve ser pensado para contemplar as grandes linhas de ação de cada área de atuação da administração pública, buscando cumprir os compromissos assumidos com a população, desde as áreas meio (como Administração, Finanças, Procuradoria-Geral e Planejamento Urbano) até as áreas fins (como Saúde, Educação e Assistência Social).
Para saber mais sobre os planos de governo, clique aqui.
O Plano de Governo servirá, depois, como base para a elaboração de outro importante documento da gestão pública, o Plano Plurianual (PPA). Ele é uma peça orçamentária pensada para os quatro anos de mandato, no qual se definem programas, indicadores, metas, ações, resultados e fontes de recursos, logo no primeiro ano do(a) candidato(a) eleito(a). É a forma como o governo traduz as necessidades e prioridades de sua gestão. É no PPA, também, que estão definidas as políticas públicas, com suas ações, metas e valores, para cada área específica. A cada quatro anos, o PPA é desenhado pelo Poder Executivo e apresentado ao Legislativo (federal, estadual e municipal) que pode, inclusive, propor emendas ao documento.
Para saber mais sobre o orçamento público, clique aqui.
É preciso sublinhar que as peças orçamentárias (o PPA, a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e a Lei Orçamentária Anual – LOA) não são neutras, mas, sim, expressam concepções e determinações políticas que incidem diretamente no acesso dos cidadãos e cidadãs aos bens, recursos e serviços aos quais têm direito. Portanto, precisam ser analisadas para além da frieza dos números. Dessa forma, pensar em orçamentos sensíveis, por exemplo, à gênero e raça, é fundamental para avançarmos na gestão orçamentária com vistas a reduzir desigualdades e produzir potencialidades, considerando a diversidade populacional.
Clique aqui e conheça mais sobre orçamentos sensíveis a gênero e raça.
A realização de despesas para um suposto “beneficiário neutro” tem possibilitado que a desigualdade seja reproduzida, sistematicamente, pelas políticas públicas. Esta noção é essencial para a construção democrática baseada na justiça social, principalmente por sermos conscientes da falta de pluralidade e representatividade – de mulheres, pobres, indígenas, pessoas negras, quilombolas, populações ribeirinhas, mães, idosos e pessoas com deficiência – nos quadros de gestão dos governos.
É necessário, portanto, tomarmos parte na construção democrática, não apenas para nos vermos representadas nos parlamentos e outras instâncias de poder e tomada de decisão, mas para que as políticas públicas, que devem assegurar os cuidados e proteção a todos e todas, sejam realmente cumpridas.
Devemos estar atentas e cobrar para que o orçamento público seja baseado em políticas públicas verdadeiramente universais, que levem a sério a intersetorialidade (gênero, raça e classe) necessária para seu planejamento e execução. E que sejam, quando preciso, específicas, para que dêem conta da promoção da igualdade e da justiça social.
Sobre a autora: Munah Malek é socióloga, mestra em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pesquisadora e consultora especializada em Políticas de Gênero, Raça e Direito à Cidade. Trabalha com assessoria política e projetos. Também colabora com diferentes veículos da imprensa brasileira.
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BIBLIOGRAFIA
https://todospelaeducacao.org.br/noticias/o-que-e-uma-politica-publica-e-como-ela-afeta-sua-vida/
https://www.infoescola.com/sociedade/politica-publica/
https://www.youtube.com/watch?v=406y7gDN-ZE
https://pp.nexojornal.com.br/ponto-de-vista/2022/Sobre-o-conceito-de-pol%C3%ADticas-p%C3%BAblicas
https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/50/197/ril_v50_n197_p189.pdf
História da saude publica no Brasil (FIOCRUZ): https://portal.fiocruz.br/video/historia-da-saude-publica-no-brasil-500-anos-na-busca-de-solucoes
https://www.politize.com.br/politicas-publicas/
Conteúdo revisado em 12 de dezembro de 2023.
Por Ana Carolina Vaz
Você já deve ter ouvido alguém falar que os partidos políticos estão em crise. Nos últimos anos, o debate público tem estado cada vez mais atento às funções, objetivos e atuações desses grupos. Mas olha que notícia boa: esta guia traz tudo o que você precisa saber sobre os partidos políticos no Brasil. Juntas, vamos aprender sobre o que são, de onde vieram e como se estruturaram no país.
Falarei, também, um pouco sobre os diferentes objetivos que os partidos podem ter e de como se organizam nas várias arenas em que estão presentes. Entendendo que os partidos continuam fortes e ativos, e não há como pensar a democracia representativa sem a existência deles. Ao final, abriremos a reflexão sobre como essas organizações devem ficar atentas, para estarem cada vez mais inclusivas e abertas a mulheres, pessoas negras, indígenas, LGBTQIA+ e diversas outras minorias políticas.
Antes de começar, é importante entender o que estamos chamando de partido político. Não há, na literatura acadêmica, nenhum consenso sobre qual seria a definição de um partido político. Dada a forma variada que observamos os diversos partidos existentes ao longo do mundo, essas classificações teóricas entendem essas organizações ora como grupos de representação de interesse, ora como associações para a resolução de interesses coletivos e impacto na vontade política do Estado. Atualmente, entre as funções destinadas unicamente a esses grupos, estão: seleção de candidaturas e participação na competição eleitoral; canalização de interesses coletivos ao debate público; e ocupação de funções eletivas, governando e legislando.
Mas nem sempre foi assim. Os partidos políticos, assim como a definição de quais seriam suas responsabilidades, funções e papel no sistema político, passaram por transformações ao longo do desenvolvimento das sociedades contemporâneas. As primeiras instituições que entendemos como partidos políticos modernos – a origem dos nossos partidos atuais – aparecem com mais força ao longo dos séculos XVIII e XIX, nos países europeus.
É preciso lembrar que, nesse momento histórico, quem possuía acesso à esfera pública era apenas a elite da sociedade. Como reflexo, os partidos eram associações dessas pessoas em torno de seus interesses comuns. Com o desenvolvimento do processo de industrialização, crescimento da população urbana, consolidação do Parlamento como entidade legislativa e fim do voto censitário, ou seja, pela quantidade de renda que o eleitor possui (e o consequente aumento do eleitorado, formado, em parte, pela classe operária, que até então não tinha direito ao voto), novos partidos entraram em cena, como é o caso dos partidos socialistas e comunistas. Assim, o regime partidário nacional nesses países começou a se estruturar.
Dessa forma, os partidos passaram a ser entendidos como organizações responsáveis por ordenar, perante ao Estado, a vontade política da sociedade. Esse processo, entretanto, não aconteceu sem impacto na forma como os partidos se estruturaram. Com legitimidade para sua existência estabelecida, a relação entre os partidos e os Estados-nações se aprofundou no decorrer do tempo. Estes, deixaram de enxergar a mobilização dos membros, filiados e simpatizantes como uma atuação a ser priorizada e se viram para o Estado, que passa a ser o principal responsável pelo financiamento das organizações partidárias.
No Brasil, as primeiras experiências partidárias são vistas desde o Império. De forma semelhante ao cenário internacional, os primeiros partidos eram compostos pela elite da sociedade. Mesmo com o fim do voto censitário, até o fim da Ditadura Militar no Estado Novo, quase nenhum partido tinha um caráter popular e, diferentemente do processo europeu, onde os partidos possuíam uma capacidade nacional de ação, os partidos brasileiros possuíam caráter estadual.
A atual experiência do sistema multipartidário brasileira, embora tenha suas raízes a partir dessa constituição de caráter estadual dos grupos partidários (e que não tinham força em todo o território nacional), só passa a ter a configuração que observamos hoje após o fim da Ditadura Militar. Foi quando o bipartidarismo forçado pelos militares deu lugar ao multipartidarismo, que, embora no começo tenha sido um modelo regulado pelo governo, com apenas cinco partidos autorizados a competir, passou a permitir maior acesso à organização de agremiações políticas e a configuração dos partidos como as que conhecemos na atualidade.
Hoje, os partidos possuem diversas funções e tipos de atuação. Na linguagem da Ciência Política, chamamos de tipologia partidária. Não há somente uma forma de um partido atuar. Essa variação vai depender das organizações da sociedade civil que o integram e da sua burocracia interna.
Os partidos podem se orientar em torno de três grandes objetivos: busca por cargos, busca por políticas públicas e busca pelo maior número de votos possíveis. O objetivo pretendido pelo partido político, portanto, altera sua forma de atuar na sociedade.
Além dos objetivos, os partidos também podem ser caracterizados pelas dimensões em que atuam. A primeira dimensão é o partido no governo, ou seja, por meio da ocupação de cargos nas diversas arenas estatais, seja dos eleitos ou dos comissionados. A segunda é a dimensão onde o partido se relaciona com sua base eleitoral, filiados e simpatizantes. Já a terceira é o partido na sua administração interna, ou seja, a burocracia partidária.
Apesar de todos os partidos atuarem nas três dimensões, cada grupo prioriza sua ação em alguma dessas arenas. Essa priorização gera uma característica definidora de como aquele partido atua e se organiza e, portanto, se torna sua face dominante. É nessa priorização de dimensões que encontramos, em algumas organizações partidárias, hoje, pouca relação ou capilaridade com sua base social ou com a sociedade civil; e muita articulação em torno da ocupação de cargos de governo.
Esses são alguns pontos que devemos refletir e atuar, de forma a pressionar as organizações partidárias. Os partidos devem se aproximar de forma cada vez mais constante de sua base eleitoral e do território pelo qual foi eleito. A relação de representação não pode estar somente relacionada ao voto. Os eleitores devem ter um papel ativo, e não somente reativo (com o voto). Além disso, a dimensão interna do partido – seus dirigentes partidários – deve se responsabilizar por flexibilizar as estruturas internas, que dificultam o acesso de mulheres e pessoas negras a esses espaços.
Atualmente, grande parte das diretorias partidárias são ocupadas por homens brancos. Se não há diversidade nos cargos de poder, como podemos pensar em diversidade no processo de seleção de candidatos ou direcionamento de recursos partidários? É possível lutar para que mais mulheres, pessoas negras, indígenas e LGBTQIA+ estejam ocupando cargos, também, no interior das agremiações partidárias, impactando diretamente na seleção e no orçamento das candidatas.
Nesta cartilha produzida pela Im.pulsa, onde falamos sobre o orçamento de campanha, você pode encontrar informações que ajudarão a pensar não apenas nas questões da sua campanha ou mandato, mas, também, no impacto que ocupar esses cargos tem para candidatos com poucos recursos. Não deixe de ler: Orçamento de Campanha Eleitoral
Podemos ver que, se pensarmos na crise dos partidos políticos, erramos em presumir que estes perderam alguma força ou capacidade de influenciar institucionalmente ao longo dos anos. Essas organizações continuam sendo um elemento importante para a consolidação democrática e representação dos diversos grupos sociais. Mas, socialmente, a crise dos partidos políticos, sentida pela sociedade brasileira, nos leva a questionar de que forma esses grupos vêm exercendo a representação política.
Como candidatas, há uma possibilidade de inserção maior na vida política partidária. É a partir dessa trajetória que conseguiremos abrir novas portas para mais pessoas, que hoje estão excluídas da vida política partidária.
Sobre a autora: Ana Carolina Vaz é doutoranda, mestra e bacharel em Ciência Política pela Universidade de Brasília. Também é professora substituta na Universidade Federal de Viçosa. Participa do Grupo de Pesquisa Relações entre Sociedade e Estado (Resocie) e do Grupo Política e Povos Indígenas nas Américas (POPIAM). Tem agenda voltada para a pesquisa de partidos, movimentos sociais, povos indígenas e eleições.
Conteúdo revisado em 12 de dezembro de 2023.
Por Tayara Causanilhas
Polarização é um tema que, neste ano, está em todos os lugares: nas redes sociais, nos jornais e, às vezes, até nas conversas da fila do mercado. Os candidatos estão isolados, cada um do seu lado do espectro político. Já as eleitoras, vêm defendendo pontos de vista imutáveis e separando as discussões no almoço de domingo. Polarização é um fenômeno deste século, com implicações negativas. Para combatê-la, é necessário compreender o que é, de onde surgiu e suas implicações no nosso dia a dia.
A polarização é o tamanho da divergência entre os candidatos, a partir do comportamento eleitoral. Precisamos compreender que a aversão à política pode ter se agravado justamente pela polarização.
O século XXI está cercado de novos fenômenos. Diversos países se destacam por um ambiente eleitoral marcado pela polarização. Este é o caso do Brasil. A polarização política é um fenômeno que parece não ter motivos para se abrandar nos próximos anos. Tem implicações diretas na participação política, já que afeta o diálogo, a tolerância e o reconhecimento dos adversários. Além disso, em países nos quais a polarização foi observada, registraram-se altos índices de abstenção eleitoral.
A polarização é um fenômeno político, caracterizado pela distinção extrema entre dois pólos. Pode partir da sociedade, quando o próprio eleitorado se polariza entre ideias ou figuras públicas, ou pode partir das instituições, quando a polarização acontece entre o partido que ocupa o poder e os que compõem a oposição.
O conceito é definido a partir de uma dupla análise: a distância entre as preferências dos partidos mais votados e a comparação entre as proposituras dos principais candidatos de uma eleição. Além disso, são causas determinantes de polarização: classificação social, moralização da política, traços psicológicos, predisposições e consumo de mídia partidária.
No Brasil, a polarização extremou-se ao longo das eleições: em 2002, não era tão evidente; já em 2010, ficou mais nítida. Nas eleições presidenciais de 2014, agravou-se ainda mais: a pequena margem de votos que separava Dilma e Aécio mostrava que os eleitores estavam bem divididos. No ano de 2018, quando Haddad e Bolsonaro disputaram o cargo presidencial, a polarização foi ainda mais notável. A verdade é que as eleições brasileiras têm sido decididas com uma pequena vantagem e um crescente sentimento de repulsa dos cidadãos sobre o candidato em quem não votaram.
Ainda que o Brasil seja um país com um sistema partidário complexo e composto por muitos partidos, as disputas eleitorais concentraram-se na oposição de dois destes partidos entre os anos de 1994 e 2014: o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).
E, mesmo na disputa presidencial de 2018, na qual o PSDB não chegou ao segundo turno pela primeira vez, desde 1994, foi possível acompanhar a radicalização de ideias e o reforço do antipetismo como sentimento que moveu o eleitor ao voto no outsider de direita, Jair Bolsonaro. Ainda que o eixo da polarização tenha sido deslocado para o viés ideológico, o fenômeno se manteve.
A despeito da discussão da polarização ocorrer entre PT e PSDB, ou apenas em torno do PT e o sentimento de oposição a este partido, observou-se o crescente uso de fake news, violência política, propagação dos discursos de ódio e veiculação de mensagens mais diretas e agressivas entre os candidatos. Sendo a polarização um resultado de preferências partidárias, seja pelos próprios candidatos ou estritamente ideológicas, o ambiente polarizado gera, indiscutivelmente, prejuízos ao ambiente democrático. Para além do comprometimento das eleições, fenômenos ainda mais danosos podem ser observados como impacto da polarização: o desinteresse político e a crescente abstenção eleitoral.
As eleições presidenciais de 2018, como ficou notável no segundo turno, foram marcadas pela polarização político-ideológica no cenário brasileiro, tornando, portanto, os grupos polarizados ainda mais identificados com suas ideologias e, de igual maneira, ressaltando aqueles cuja identificação não está nos pólos existentes.
A parcela do eleitorado que não se identificava diretamente com os espectros políticos daquele momento se traduziu, em 2018, no crescente número de abstenções e, posteriormente, em alarmantes discursos de objeção e rejeição à política.
Atualmente, os jovens se dizem completamente desinteressados pela política porque, em sua percepção, é sinônimo de briga. As abstenções, por outro lado, têm aumentado a cada pleito, possivelmente marcadas pela rejeição de parcela do eleitorado, que não se identifica com os espectros polarizados ou, ainda, rejeita a política violenta, que é fruto da polarização.
Isto ocorre porque, em um cenário político tão polarizado, a falta de identificação com as propostas políticas em período de eleição pode traduzir-se na apartação do comparecimento eleitoral. Os grupos não-polarizados poderão se apropriar, portanto, dos caminhos do não-voto e da insistência em demandas compreendidas por poucos ou nenhum candidato. Esta é uma posição muito perigosa para a democracia. E não é mais um caminho futuro: trata-se de uma consequência atual na política brasileira.
Sobre a autora: Tayara Causanilhas é escritora e cientista política, com foco em Humanidades Digitais. Bacharel em Direito pela UFRJ e mestranda em História, Política e Bens Culturais pela FGV/RJ, há cinco anos pesquisa sobre o tema “Mulheres na política e suas implicações na democracia”. Atualmente, dedica-se ao estudo do impacto das redes sociais na democracia brasileira.
Conteúdo revisado em 12 de dezembro de 2023.
Referências
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BRUGNAGO, Fabrício; CHAIA, Vera. A nova polarização política nas eleições de 2014: radicalização ideológica da direita no mundo contemporâneo do Facebook. Aurora: revista de arte, mídia e política, São Paulo, v. 7, n. 21, p. 99-129, out. 2014/jan. 2015.
CESARINO, L. Populismo digital: roteiro inicial para um conceito, a partir de um estudo de caso da campanha eleitoral de 2018.
GOYA, Denise H.. FIACADON, Guiliana. DOS SANTOS, Patrícia Dias. A polarização ideológica no Twitter: um estudo sobre as redes de reteets durante as eleições presidenciais de 2018. Compolítica. UNB, 2019.
GUEDES-NETO, João V. The effects of political atitudes on affective polarization: survey evidence from 165 Elections.
HUNTER, Wendy. POWER, Timothy J. Bolsonaro and Brazil’s Illiberal Backlash. Journal of Democracy 30(1): 68–82, 2019.
IYENGAR, Shanto et al. Affect, Not Ideology: A Social Identity Perspective on Polarization. Public Opinion Quarterly 76(3): 405–31, 2012.
IYENGAR, Shanto et al.The Origins and Consequences of Affective Polarization in the United States. Annual Review of Political Science 22(7): 1–18, 2018.
MIGUEL, Luis Felipe. O Colapso da Democracia no Brasil: da Constituição ao Golpe de 2016. São Paulo: Expressão Popular. 2018.
NAVARRO, Vicente. Existe uma terceira via? uma resposta à “terceira via” de Giddens. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, São Paulo, n. 48. 1999.
RÉGIS, André. Ideologias políticas, direitos humanos e estado: do liberalismo à terceira via; reflexões para a discussão do modelo de estado brasileiro. Revista Esmafe: Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, Recife, n. 04, Dezembro. 2002.
RIBEIRO, Ednaldo. CARREIRÃO, Yan. BORBA, Julian. Sentimentos Partidários e Atitudes Políticas Entre Os Brasileiros. Opinião Pública 17(2): 333–68, 2018.
SAMUELS, David. ZUCCO, Cesar, Partisans, Antipartisans, and Nonpartisans: Voting Behavior in Brazil. Cambridge: Cambridge University Press, 2018.
WAGNER, Markus. Affective Polarization in Multiparty Systems. Electoral Studies. 2020.
Por Flávia Ribeiro
Às 18h do dia 25 de julho de 2022, pego o microfone do carro de som, cumprimento as pessoas presentes e digo que estamos começando mais uma edição da Marcha das Mulheres Negras, em Belém. A vida deu uma volta enorme, até que eu chegasse a esse momento. Da criança e jovem tímida, que tinha vergonha até de sorrir, eu me transformei na mulher que está na organização de eventos e que é reconhecida por sua atuação. Mas não cheguei até aqui sozinha.
Tudo começou em 2012, quando eu estava grávida, em uma relação estável, com emprego de carteira assinada e cargo comissionado. Não esperava muito da vida, só queria ter minha filha e seguir. Mas a briga por um parto normal me jogou em um mundo que eu mal sabia existir: o dos movimentos sociais. Precisei estudar sobre as intervenções desnecessárias que são realizadas, rotineiramente, durante o parto e sobre a autonomia materna. E, sim, eu precisei brigar por um parto.
“Em um ano de eleições, é bom falarmos de movimentos sociais, porque as ações iniciadas por esses grupos repercutem na nossa vida e, muitas vezes, não nos damos conta.”
A insatisfação e a inquietude com essa situação foram me levando para outros lugares. De uma mãe descontente com o sistema de saúde, fui puxada para o feminismo, para o feminismo negro e fui seguindo. Foi como se camadas fossem se desdobrando à minha frente e eu só fosse sendo puxada.
Para além dos estereótipos que são tão difundidos, das imagens pré-moldadas propagadas exaustivamente, os movimentos sociais são compostos por pessoas como eu e como você, que está lendo este texto. A gente não concorda com determinada situação de injustiça e começa a falar disso. Nossas vozes ecoam e percebemos a força que temos.
Em um ano de eleições, é bom falarmos de movimentos sociais, porque as ações iniciadas por esses grupos repercutem na nossa vida e, muitas vezes, não nos damos conta. Muitos direitos que temos hoje começaram com a mobilização de pessoas insatisfeitas e inquietas. Vou destacar aqui as cotas raciais, em universidades públicas: um direito para pessoas negras, mas que ainda é muito debatido e até rechaçado…
Quando eu fiz a graduação em Comunicação Social, não passei pelas cotas. E precisei. Passei anos tentando e sendo reprovada no vestibular. Sempre fui estudiosa, mas não passava. Eu precisava das cotas, mas elas não existiam.
Depois de me formar, eu só pensava em trabalhar, porque precisava ajudar minha família financeiramente. Fui a primeira da minha casa a conseguir o nível superior. Mas não fui a única, mais tarde meus irmãos também conseguiram.
A decisão pelo mestrado só veio depois do meu envolvimento com os movimentos sociais. Eu já não gostava da profissão que escolhi. Não queria mais ser comunicadora. Mas fiz parte do Comitê Impulsor do Pará, na Marcha das Mulheres Negras, que atuou em função da marcha nacional, realizada em 2015, em Brasília.
Como Nilma Bentes¹ falou, o processo de preparação poderia ser tão ou mais importante que a própria marcha. Foi nesse período que vi o quanto a comunicação poderia ser importante, até mesmo para firmar cidadania e identidades. Além de invisibilizadas, as identidades negras nos são negadas na Amazônia. E muitas mulheres negras se reconheceram como negras, após ouvirem outras mulheres em eventos preparatórios para a marcha. Vocês conseguem entender o quanto isso é potente e transformador?
Passei a usar a comunicação como estratégia de luta, como cita bell hooks², e de sobrevivência. Comecei a me posicionar mais e a falar mais. E percebi que precisava de ainda mais. Eu já estava nas ruas e nos movimentos sociais, mas surgiu a necessidade de novos espaços. Percebi que precisava voltar a estudar e a contribuir para a produção de conhecimento do meu lugar de fala: uma mãe negra amazônida, com mais de 40 anos de idade e dos movimentos sociais.
“Eu sou fruto do movimento negro educador”. Foi algo que lembro de ter falado na entrevista para a seleção de mestrado. Citando o livro de Nilma Lino Gomes³, fui aprovada no Programa de Comunicação, Cultura e Amazônia, da Universidade Federal do Pará. E passei na reserva de vagas para pessoas negras.
Foi a política pública, sancionada em 2012, sob a forma da Lei Federal nº 12.711, que permitiu que eu voltasse a estudar. A sanção veio após anos de mobilização e luta do movimento negro, que se encarregou de “inscrever na pauta do Estado o combate ao racismo e à discriminação racial⁴”, como disse Zélia Amador de Deus. Ela defende que as políticas de ações afirmativas são ferramentas para corrigir desigualdades raciais no Brasil.
Eu destaquei as cotas raciais, mas podemos pensar em saúde, educação, segurança e etc. Políticas públicas que beneficiam milhares de brasileiros, como o Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo, começaram a ser debatidas nos movimentos sociais. E vimos a importância do SUS durante a pandemia, não é?
Há uns meses, ouvi a entrevista da Sueli Carneiro no podcast do Mano Brown⁵. Ela falou de quem tem o umbigo enterrado nos movimentos sociais e isso fez muito sentido para mim. A minha vida está misturada com os movimentos sociais. Não sei onde um começa e o outro termina. Ou melhor, não termina, eu sou só continuação. De todas essas pessoas que me precederam, para que eu estivesse aqui, falando com vocês. Das que tombaram no caminho e viraram sementes. Das que estão surgindo. “É a rua que faz a diferença, a organização massiva na rua”, disse Sueli Carneiro. Eu concordo. E você?
Sobre a autora: Flávia Ribeiro é mãe, feminista negra afroamazônida, jornalista, consultora para Equidade de Raça e Gênero e mestranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação, Cultura e Amazônia da Universidade Federal do Pará. Possui quase 20 anos de experiência no mercado de Comunicação da Grande Belém. Também trabalhou para organizações e empresas de atuação nacional e internacional, como o jornal Estadão, a agência de jornalismo Alma Preta e a ONG Artigo 19. É ativista no Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa), da Rede Fulanas – Negras da Amazônia Brasileira e da Rede de Ciberativistas Negras.
Conteúdo revisado em 12 de dezembro de 2023.
REFERÊNCIAS:
¹ BENTES, Nilma. Articulação de organizações de Mulheres Negras Brasileiras. In: Marcha das mulheres negras. São Paulo: AMNB, 2016. E-book
² hooks, bell. Anseios: raça, gênero e políticas culturais. São Paulo: Editora Elefante, 2019.
³ GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador. Saberes construídos na luta por emancipação. Petrópolis, RJ: vozes, 2017.
⁴ DEUS, Zélia Amador de. Os herdeiros de Ananse: movimento negro, ações afirmativas, cotas para negros na universidade. 2008. 295 f. Tese (Doutorado)
Por Yasmim Alves
Falar de política pode parecer difícil, mas olha que coisa boa: você veio! E, já que chegou até aqui, que tal falarmos um pouco mais sobre as eleições no Brasil? Vem comigo!
VOCÊ SABIA? Segundo pesquisa da Economist Intelligence Unit (EIU), o Índice de Democracia em 2021 aponta que apenas 6,4% da população mundial reside em uma “democracia plena”. Enquanto isso, mais de um terço da população (37,1%) vive sob regime autoritário. |
Por Rana Laura Um governo do povo, para o povo, com o povo O que é a Democracia? A atual forma de governo que vivemos, no Brasil, é a Democracia. Traduzindo do grego, a palavra significa demos=povo e krato=poder. Desenvolvido em Atenas, na Grécia, é basicamente um sistema de governo onde o povo governa para […]
VOCÊ SABIA? Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nas eleições de 2020, houve um crescimento de votos nulos e brancos, que somaram cerca de 32,5%. Votos nulos e brancos não são computados e não são considerados na soma de votos válidos, que elegem um determinado candidato ou candidata. Esses votos, no entanto, podem ser compreendidos como reflexo da descrença da população frente ao sistema político e seus representantes. |
UM CHAMADO: A política define o preço do gás, da passagem e dos alimentos. Define a qualidade dos serviços públicos e traz impactos para nossa vida cotidiana. Por meio dela, podemos exigir melhores condições de trabalho. É com ela que denunciamos privilégios e lutamos pela ampliação da democracia. Não podemos delegar tudo às representantes, também temos nossas responsabilidades. Como cantou Gonzaguinha: Vamos à luta!
FORMAS DE PARTICIPAR: Movimentos sociais, partidos políticos, sindicatos e ocupações por moradia. Você também pode organizar formações políticas em sua cidade, greves, protestos e, claro, eleições.
As eleições gerais são o processo pelo qual a população decide quem serão nossas representantes. Listei para você algumas características das eleições no Brasil:
VOCÊ SABIA? Nós também podemos nos candidatar! É a Constituição Federal que estabelece as exigências para se candidatar a um cargo eletivo. Você encontra os critérios no capítulo IV, “Dos direitos políticos”, artigo 14°. Corre lá pra ver! |
Com exceção do Poder Judiciário, órgão responsável por administrar a lei e defender os direitos de pessoa física, jurídica, animal ou ambiental, todos os demais cargos são escolhidos por nós. Para facilitar, preparamos duas tabelas para você:
Poderes / Níveis | Federal | Estadual | Municipal |
Legislativo | Deputadas federais
Senadoras |
Deputadas estaduais | Vereadoras |
Executivo | Presidenta e vice | Governadora e vice | Prefeitas |
Judiciário | Juízas | Juízas | Não há |
CARGOS | FUNÇÕES |
Presidenta | Conduzir a política econômica e demais políticas do país. Executar, sancionar ou vetar projetos de leis. Representar a nação nas relações com outros países. |
Senadora | Legislar e fiscalizar os atos do Poder Executivo. Processar e julgar, nos crimes de responsabilidade, os que ocupam os cargos de presidente e vice-presidente, ministros de governo, comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica, ministros do STF e outros cargos. |
Deputada federal | Legislar, propor, emendar, alterar e revogar leis estaduais / distrital. Fiscalizar as contas do Poder Executivo federal, entre outras atribuições. |
Governadora | Representar o estado nas relações jurídicas, políticas e administrativas. É auxiliada pelas secretarias de estado. Participar do processo legislativo e responder pela segurança pública, polícias Civil e Militar e Corpo de Bombeiros. |
Deputada estadual ou distrital | Legislar, propor, emendar, alterar e revogar leis estaduais / distrital. Fiscalizar as contas do Poder Executivo estadual / distrital, entre outras atribuições. |
Prefeita | Conduzir a política do município, planejar e concretizar obras, sejam elas da construção civil ou da área social. Executar, propor, sancionar ou vetar projetos de leis. |
Vereadora | Elaborar leis municipais e fiscalizar a atuação do Executivo. Propor, discutir e aprovar normas a serem aplicadas no município, como impostos municipais, educação municipal, linhas de ônibus, saneamento e orçamento da cidade. |
Neste ano, iremos decidir quem serão nossas deputadas federais e estaduais, senadoras, governadoras e presidenta. Para ficar mais fácil, preparamos um modelo de santinho. Basta preencher e levar com você no dia da votação.
VOCÊ SABIA? Teremos urnas novas e mais acessíveis para as pessoas com deficiência nestas eleições. Intérpretes em libras serão incluídas nas telas, para que sejam indicadas as vagas em votação. Além disso, haverá recurso de voz, em que serão falados os nomes das suplentes e vices das candidatas. |
Sobre a autora: Yasmim Alves é pernambucana, graduanda em Licenciatura em Ciências Sociais pela UFPE, militante da organização política Liberdade, Socialismo e Revolução (LSR) – seção brasileira da Alternativa Socialista Internacional (ASI) e integrante do Afoxé Alafin Oyó.
REFERÊNCIAS:
O caminho até a paridade entre homens e mulheres, em espaços de poder, ainda é longo. Mas podemos ir juntas! Por isso, eleitora, precisamos de mulheres, como você, para mudar o futuro do país.
Você sabia que, apesar das mulheres representarem mais de 51% da população brasileira, ou seja, possuem o maior poder de voto nas urnas, o total de candidaturas femininas eleitas nas últimas eleições majoritárias, em 2022, não chegou nem perto da metade dos parlamentares masculinos? Das 1.711 candidaturas eleitas, somente 290 foram de mulheres, representando apenas 16,20% do total. Os dados são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Essa desigualdade gritante no Legislativo faz com que a voz das mulheres seja cada vez mais silenciada e que as reivindicações femininas não sejam levadas adiante pelo governo. Conforme a diretora-executiva da ONU Mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka, “nenhum país prospera sem o engajamento das mulheres”. E, infelizmente, a política brasileira ainda é predominantemente masculina, o que dificulta ainda mais a inserção feminina nesses espaços de poder. Inclusive, muitas parlamentares sofrem com violência política de gênero e não conseguem sequer propor suas ideias.
Por isso, o voto feminino é fundamental para que o país se torne cada vez mais igualitário e representativo, já que o Brasil conta com uma “democracia representativa”, ou seja, a própria população escolhe os seus representantes de governo. Com o voto nas urnas, cada eleitora tem o poder de tentar mudar a sua realidade e transformar o país em um local mais inclusivo para as mulheres, revertendo o cenário machista que temos no Congresso Nacional.
Você sabia? Durante a legislatura anterior (de 2018 até 2022), dos 171 projetos de leis (PLs) apresentados por parlamentares homens em relação à vida das mulheres, 60 eram desfavoráveis. Isso representa um PL negativo a cada quatro apresentados.
Com cada vez mais mulheres fazendo parte das esferas políticas! Portanto, é muito importante que todas as eleitoras estudem suas candidatas e entendam a importância do voto feminino. Com pouca representatividade na política, o Brasil está retrocedendo cada dia mais em relação aos direitos das mulheres.
Assim, será cada vez mais difícil que os parlamentares proponham leis e debates que visem melhores condições para a vida das brasileiras. E, claro, com mais parlamentares femininas no poder, aumentarão os projetos de lei que priorizam a saúde, o emprego e a vida das mulheres. Um pequeno voto na urna parece pouco, mas pode mudar a vida de milhares de brasileiras, seja escolhendo uma candidata ou uma candidatura coletiva.
Nesse modelo, ao invés de elegermos apenas uma representante ao votar, estaremos elegendo um grupo de representantes. Um exemplo de candidatura coletiva é a Bancada Feminista, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que conta com cinco candidatas. Juntas, elas estão concorrendo ao cargo de deputada estadual nas eleições de São Paulo. Porém, nas urnas, aparecerá apenas o nome e a foto de uma das representantes, que será a candidata oficialmente registrada no TSE, mas com o nome do coletivo ao lado.
As candidaturas coletivas são muito importantes. Conforme citei acima, ao invés de elegermos apenas uma candidata, estamos elegendo cinco mulheres. Com isso, há uma maior representatividade feminina no Legislativo. Porém, não significa que votar em uma candidatura coletiva, composta somente por mulheres, seja o suficiente para que as suas bandeiras, cara eleitora, sejam discutidas pelas parlamentares.
Muitas eleitoras acreditam que o fato de votar em uma candidata mulher – ou em uma candidatura coletiva feminina – já seja o suficiente para que as pautas consideradas relevantes no nosso universo entrem no debate. Mas isso é um engano.
Cada candidatura tem as suas pautas e bandeiras. Na hora de votarmos, temos que verificar o que as candidatas estão trazendo como propostas e quais são os seus ideais. Além disso, outra coisa fundamental a ser verificada é o partido ao qual a candidata pertence, se ele é de direita ou de esquerda, por exemplo, e se ele condiz com os seus ideais de vida.
Nas eleições de 2022, o Brasil teve duas mulheres concorrendo à Presidência do país, Simone Tebet (MDB – Movimento Democrático Brasileiro) e Soraya Thronicke (União Brasil). Apesar das duas candidatas ocuparem o mesmo cargo de senadora pelo estado do Mato Grosso do Sul, abordarem a representação feminina no poder e melhores condições para as brasileiras, ambas têm ideologias e ideias diferentes.
Pensando na segurança pública, por exemplo, em seu Plano de Governo, Simone não menciona uma política pública focada exclusivamente na segurança da mulher. Entre suas propostas, a política prevê a recriação do Ministério da Segurança Pública e o cancelamento dos decretos assinados pelo atual governo para maior flexibilização do porte e posse de armas. Já Soraya prevê algumas mudanças na área da segurança pública, como a criação de um fundo nacional para atendimento às vítimas de crimes e a ampliação do número de delegacias da mulher.
Mas, além das propostas de cada candidata, é muito importante que seja verificada a trajetória dessas parlamentares. Afinal, todas apresentam muito bem suas propostas, mas será que, na hora de colocar em prática, isso também acontecerá? Por isso, é importante analisar quais projetos de leis já foram criados pela candidata e qual era o foco de cada um. Mais do que isso, eleitora: se essas leis condizem com a sua forma de ver o mundo.
Por exemplo: se você acredita que o melhor para a população brasileira seja o fim do desmatamento, procure candidatas que trabalhem com essa temática. Se você luta por mais creches, para que as mães trabalhadoras tenham onde deixar seus filhos, vote naquelas candidatas que tragam propostas que visem os direitos das trabalhadoras brasileiras.
O principal, para que o Brasil fique do jeitinho que você imagina, é encontrar representantes que se enquadrem nos seus ideais e que lutem para que isso aconteça dentro das esferas públicas.
Você já parou para pensar no que você almeja para o futuro? Mais segurança no transporte coletivo? Saúde pública funcionando de forma rápida e eficiente? Salários igualitários entre homens e mulheres? Pense nas suas lutas e batalhas e encontre uma candidata que tenha a mesma visão de mundo que você.
Para isso, também é necessário verificar a ideologia política da candidata. Atualmente, o Brasil está muito polarizado entre direita e esquerda. Porém, existem outras ideologias que compõem os espectros políticos dos partidos. Confira:
Portanto, é fundamental analisar o partido da candidata e ver em qual espectro ele se enquadra, para, assim, compreender se esse grupo também está alinhado com as reivindicações que você busca.
Se você busca uma proposta que seja do espectro de centro-esquerda, ela dificilmente será levantada por uma candidata de um partido de direita e vice-versa. Por isso que a análise minuciosa da candidata e de seu respectivo partido é fundamental para que as suas reivindicações sejam debatidas no Legislativo.
Em busca de um país mais igualitário e representativo, analise bem suas candidatas e as ideias de cada uma. Por fim, vote nas que melhor representem seus ideais.
Boa sorte!
Sobre a autora: Carol Steques é jornalista e pós-graduanda em Mídia, Política e Sociedade pela Fundação Escola Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).
Conteúdo revisado em 12 de dezembro de 2023.
>Por Naiara Lemos
Nas eleições de 2022, as candidatas femininas bateram recordes, contudo é fundamental lembrar que não basta votar em mulheres. É preciso votar naquelas que assumiram o compromisso de melhorar a vida de todas as mulheres. Isso significa trabalhar para que os projetos, as leis e os recursos públicos se convertam em impacto positivo na nossa vida prática. Afinal, a política interfere nos preços do mercado, nas condições de emprego, no acesso à universidade, na segurança ao andar pelas ruas, nas mudanças climáticas, na sua saúde e na qualidade de vida das pessoas que você conhece.
Por isso, a Think Olga, em parceria com a Im.pulsa, elencou 6 sinais que te ajudam a identificar se a sua candidata está pronta para te representar.
Procure saber se sua candidata está familiarizada com os problemas que te impactam diretamente.
Para conhecer o que sua candidata está se propondo a fazer nos próximos 4 anos de mandato, você pode checar o que ela apresenta no programa de governo cadastrado no TSE , nas entrevistas e nas redes sociais. Sabendo que se trata de uma informação dada pela própria candidata, encare tudo como material de pesquisa e não, como verdade absoluta.
Observe se o plano de governo contém um diagnóstico da realidade, com questões prioritárias em evidência e condições de se concretizarem.
O Brasil adota o voto proporcional para eleições de deputadas e vereadoras. Ou seja, caso sua candidata não seja eleita, o voto que você deu vai ajudar a levar candidatas e candidatos do partido dela ao poder. Portanto, pesquise sobre o histórico do partido e as prioridades do grupo ao qual ela está filiada.
Caso você não tenha preferência por uma candidata, mas queira apoiar algum partido específico, é possível optar pelo voto de legenda. Aquele em que a eleitora digita apenas os dois primeiros números do partido na urna e ajuda a eleger os candidatos mais votados. Isso vale só para os cargos de deputado ou deputada distritais, federais e estaduais. Nas eleições majoritárias (ao governo estadual e à Presidência da República), o voto é sempre nominal.
Transformar e ocupar a política não é uma tarefa simples.
Analise se sua candidata está ciente dos desafios que uma mulher enfrenta nos espaços políticos, da truculência à qual tantas parlamentares já foram submetidas e da importância de se dedicar às conquistas coletivas.
É preciso coerência e coragem para percorrer o caminho político. Ser aliada de quem feminiza a pobreza, pratica a violência política de gênero e desmonta iniciativas de proteção às mulheres é contribuir para o retrocesso (e aumentar o risco de ser vítima dele).
Apoiar mulheres, mães, negras, pessoas com deficiência, indígenas e LGBTQIAP+ impulsiona a renovação e a diversidade política necessárias para o Brasil avançar.
Observe o que o discurso e as atitudes da sua candidata dizem sobre direitos sexuais e reprodutivos, educação sexual ou combate ao racismo, ao machismo e aos abismos sociais.
O Brasil é um país extremamente desigual. As políticas públicas existentes não alcançam a todos que necessitam. É papel de quem nos representa criar e acompanhar a execução de iniciativas que beneficiem a população vulnerável.
Portanto, não basta falar de diversidade mas também do que pode ser feito na prática.
Até as eleições, é importante dedicarmos um tempo a conhecer candidaturas, avaliar propostas e saber que Brasil gostaríamos de ser a partir de agora.
Sobre a autora: Naiara Lemos a lém de redatora, jornalista e curadora de conteúdo, Naiara Lemos é mãe, negra e feminista. Acredita na importância de tudo aquilo que vem de dentro: filho, fôlego, palavra, choro, gargalhada, luta, insight e silêncio.
Conteúdo revisado em 15 de dezembro de 2023.
Por Nathália da Silva
A renovação do quadro político brasileiro tem sido protagonizada pela oferta de mulheres negras, indígenas, quilombolas, faveladas, LGBTs e PCDs. Há sinais de revolução brotando nos parlamentos, para redirecionar as pautas políticas e priorizar as demandas daqueles que sofrem, diariamente, as desigualdades.
Nas últimas eleições, tivemos como meta derrota um governo racista e misógino, eleger mulheres negras e indígenas dando um novo passo na busca de políticas efetivas de acessórios e igualdade. Isto se dá porque as pretas e indígenas que concorrem ao poder são netas e bisnetas de mulheres e homens escravizados e explorados, que sentem na pele o peso da colonialidade – e que, ainda hoje, se perpetuam na negação de direitos e humanidade.
As mulheres negras formam o maior grupo demográfico no país, sendo 27% da população brasileira. No entanto, não são proporcionalmente representados nos espaços legislativos. A ausência de corpos negros nos espaços de poder é o retrato da falsa democracia que vivemos e fruto de um sistema eleitoral e partidário excludente.
Só quem sabe a dor de perder um filho para a violência do Estado saberá da importância de criar uma política de segurança que priorize a inteligência, e não o confronto. Assim como somente aqueles que já sentiram o oco do prato vazio entendem a urgência de se discutir formas de enfrentamento à fome e à miséria.
Como, por exemplo, Benedita da Silva, que era empregada doméstica e, desde criança, ajudava sua mãe, lavadeira do ex-presidente Juscelino Kubitschek. Em 2013, já como deputada federal e relatora da PEC das Domésticas , Benedita se uniformizou como trabalhadora doméstica para defender os direitos das trabalhadoras do setor. Quem vivencia as injustiças tem total qualificação para representar seu povo e seus semelhantes nos espaços de poder.
No entanto, além de eleger mulheres negras, é preciso proteger essas figuras da violência política de gênero e raça. Dados do Instituto Marielle Franco mostram que 98% das candidaturas negras sofreram algum tipo de violência política nas últimas eleições . A branquitude não tolera dividir a cadeira com pessoas negras. E a violência serve como ferramenta para interromper os projetos políticos que beneficiam pessoas pretas e pobres.
Cabe ao Estado e aos partidos estabelecer estratégias de proteção e responsabilização contra as agressões sofridas. Ser candidata ou parlamentar negra não pode ser um risco de vida e, sim, o nascer da esperança nessa sociedade, marcada pelo sangue dos nossos descendentes.
Diferentemente dos homens cis brancos, as mulheres negras não têm um sobrenome que abre portas. Elas precisam ser escancaradas. Por isso, a coletividade com seus semelhantes é o que faz a diferença nesses espaços. Eleger uma pluralidade de mulheres negras é abraçar diferentes legados, que se iniciam nos quilombos e, hoje, se reencontram na luta.
Se, de um lado, temos parlamentares que só conhecem pelo histórico familiar de corrupção e o compromisso de legislar contra o povo; do outro, temos candidatos que há tempos lutam pela dignidade dos morros, becos e vielas, para que os seus vivam uma nova perspectiva de futuro.
O impacto da presença de negras nos espaços de decisão é justamente uma mudança do que se entende como figura política. Além disso, é uma reorganização de bases essenciais, como o direito concreto à liberdade religiosa, à implementação efetiva da Lei 10.639/2003 e às decisões mais estratégicas e cuidadosas, diante de tamanha brutalidade vivenciada pelo nosso povo.
Não faltam opções. Seu voto tem poder de mudança. Eleja e proteja mulheres negras!
Conteúdo revisado em 13 de dezembro, de 2023.
[citação] Sobre a autora: Nathália da Silva é uma jornalista preta da Baixada Fluminense (RJ). Atua como mídia social na Rede de Observatórios da Segurança e no LabJaca. Por meio da escrita, eterniza opiniões e pensamentos, que busca humanizar pessoas negras e faveladas. [/citar]
Por Nicole Brito
De acordo com a União Interparlamentar (UIP), o Brasil está posicionado no 142° lugar no quadro de participação política feminina, dentre 192 países. Em relação à esfera legislativa, a UIP observou que as mulheres ocupam 15% das cadeiras na Câmara dos Deputados e 12,4% no Senado Federal. Tal cenário evidencia as relações desiguais de gênero, uma vez que, embora as mulheres sejam maioria do eleitorado brasileiro (52,65%), observamos muitos obstáculos a serem enfrentados no que diz respeito à participação política feminina na esfera institucional. Contudo, essa conjuntura foi e é bastante tensionada ao longo da nossa história, sobretudo pela intensa mobilização do movimento feminista.
A professora de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Marlise Matos, mostra diversas medidas que foram criadas com a finalidade de despatriarcalizar o Estado brasileiro. A despatriarcalização do Estado diz respeito às ações e mecanismos que visam combater o sistema de dominação masculina dentro do próprio Estado. Entre essas ações, Marlise Matos cita a criação do sistema de cotas destinadas às mulheres no processo de candidaturas eleitorais, em 1995. Inicialmente, foram destinados 20% para reserva de candidaturas femininas, no mínimo. Em 1998, esse percentual subiu para 25% e, em 1997, alcançamos o percentual mínimo de 30%. Além disso, em 2018, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estabeleceu que ao menos 30% dos recursos do Fundo Eleitoral e do tempo de propaganda na televisão e no rádio fossem destinados às mulheres.
Por Rita Ferreira Vamos conferir nossa história de acesso aos cargos de poder, por meio do voto, e saber quais mecanismos foram criados para enfrentar a problemática da sub-representatividade de gênero? As mulheres são a maioria da população brasileira e, consequentemente, do eleitorado. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), somos 52,5% das pessoas que votam, […]
Não há como negar a importância da criação do sistema de cotas em nosso sistema eleitoral. Contudo, ao analisarmos mais a fundo a sua efetividade, nos deparamos com alguns impasses. Dentre eles, está um fenômeno que vem ganhando destaque nos últimos anos, as candidaturas laranjas. A categoria “laranja” diz respeito a um termo pejorativo, que indica algo ilícito. Neste sentido, as candidaturas laranjas se referem às candidaturas que são ocupadas no papel, mas que, na verdade, não são exercidas pela própria pessoa. Na prática, então, vemos muitas candidaturas que são ocupadas por mulheres, a fim de cumprir a cota de gênero, mas que são usadas como “laranjas”. Tais candidaturas ocorrem para beneficiar outros candidatos, por meio do desvio de dinheiro dos recursos eleitorais e, muitas vezes, para assegurar a cota mínima, evitando que o partido seja penalizado.
Não há como entender esse fenômeno sem ter um ponto central de análise: a dimensão de gênero. Esse argumento pode ser justificado, quando analisamos os dados sobre tais candidaturas. Um artigo feito por Kristin Wylie, Pedro dos Santos e Daniel Marcelino, da James Madison University, da College of Saint Benedict and Saint John’s University e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, respectivamente, mostra que, entre 1994 e 2014, enquanto o percentual estimado de candidaturas laranjas de homens é de 12%, o de mulheres é de 34,7%. Além disso, eles nos apresentam que 13,1% do total de candidaturas em partidos de esquerda são classificadas como “laranjas”, enquanto que, para os partidos de direita, esse percentual é de 17,2%.
Ao analisarmos somente as candidaturas laranjas de mulheres, o estudo aponta que 42,8% das candidatas são “laranjas” em partidos de esquerda. Já nos partidos de direita, esse valor é de 51,7%. Dessa forma, os dados nos mostram que o fenômeno das candidaturas laranjas se observa, majoritariamente, nas candidaturas femininas e nos partidos classificados ideologicamente como de direita.
As candidaturas laranjas podem ser identificadas a partir da percepção da competitividade nas eleições, ou seja, quando determinada pessoa candidata recebe poucos ou nenhum voto. Por exemplo, de acordo com a Organização Transparência Partidária, nas eleições municipais de 2020, 2.221 candidatos(as) não receberam nenhum voto. A suspeita de candidaturas laranjas, no entanto, só pode ser efetivamente confirmada pelo TSE, após as eleições. Além disso, uma outra forma de reconhecimento diz respeito à ausência de declaração de gastos de campanha e, até mesmo, o pedido de voto feito pela própria pessoa candidata a outros candidatos, que estão pleiteando o mesmo cargo.
Nesse fenômeno, as mulheres usadas como “laranjas”, muitas vezes, não sabem que estão sendo candidatas, como podemos observar no depoimento de Lúcia Maria Ferreira da Silva, divulgado pela revista VEJA, em 2010:
Roberta Laena, em seu livro “Fictícias: candidaturas de mulheres e violência política de gênero”, considera as candidaturas fictícias de mulheres, aquilo que nós chamamos aqui de candidaturas laranjas, como uma das expressões de violência política de gênero. A autora as classifica em três tipos: candidaturas involuntárias, candidaturas induzidas e coagidas e, por fim, candidaturas voluntárias. Em relação ao primeiro tipo, Roberta Laena afirma que se refere ao desconhecimento da candidatura. Já o segundo diz respeito a um consentimento viciado, uma vez que a liberdade e autonomia das candidatas são retiradas; e o terceiro tipo se divide em aliadas e estrategistas, que se candidatam com o objetivo obter licença remunerada e para repassar verba pública.
A autora analisa que tais candidaturas se enquadram na definição de violência política de gênero, elaborada pela da Organização dos Estados Americanos (OEA), na Lei Modelo Interamericana para Prevenir, Sancionar e Erradicar a Violência contras as Mulheres na Vida Política, em 2017, que define como “ação, baseada em gênero, que tem por objetivo ou resultado prejudicar ou anular o gozo ou exercício de seus direitos políticos”.
Entretanto, na legislação brasileira sobre violência política contra a mulher, a Lei n° 14.192/21 não aponta nenhum enquadramento dessas candidaturas como uma manifestação desse tipo de violência. Algumas lacunas na referida lei já foram apontadas por pesquisadores, a exemplo do Relatório 2020-2021 de Violência Política contra a Mulher, feito pela Transparência Eleitoral Brasil. Dentre elas, podemos listar a falta de referência às diversas manifestações, aos tipos de violência política, seus agentes e suas vítimas.
As candidaturas laranjas se enquadram como fraudes eleitorais e suas consequências se referem ao crime de falsidade ideológica, como exposto no Artigo 350, do Código Eleitoral, Lei n°4.737. Além disso, o TSE faz a cassação dos direitos políticos de tais candidaturas e de todos os envolvidos na coligação, como também retém os valores do Fundo Partidário. O desvio dos recursos financeiros das candidaturas é, ainda, considerado crime, com pena que pode variar entre dois e seis anos.
Para além dos efeitos no que tange à punição na esfera criminal, o fenômeno das candidaturas laranjas incide, diretamente, na representatividade política feminina e no próprio regime democrático de nosso país. Um importante autor sobre a democracia, Robert Dahl, expõe que duas das setes instituições necessárias para esse regime político dizem respeito às eleições livres e justas e o direito de concorrer a cargos eletivos.
Observamos, ao longo desta guia, que a participação política feminina está em xeque. Quando analisamos os dados das candidaturas laranjas, constatamos que os direitos de pleitear, de maneira justa, as eleições fica, evidentemente, ameaçado, a partir do momento em que elas são capturadas violentamente para sustentar o sistema patriarcal, fortemente intricado na política institucional. Nesse sentido, o que vemos é que as mulheres são limitadas em seus direitos, com a finalidade de sustentar a ideia de que a política é um espaço masculino e de virilidade. Afinal, nesse fenômeno, as mulheres são captadas apenas para preencher a cota, enquanto que os homens são vistos como aqueles que possuem alta competitividade eleitoral e que, portanto, são sempre recrutados pelos partidos a pleitearem cargos políticos.
É fundamental que entendamos esse fenômeno, sempre analisando a perspectiva de gênero, mas sem perder de vista que tal quadro é ainda mais desafiador para mulheres negras. Ou seja, é necessário que compreendamos as especificidades dessa forma de violência política de gênero, a partir de uma perspectiva política feminista, que coloca, no centro do debate, elementos cruciais, como as desigualdades de gênero e raça na esfera pública.
Sobre a autora: Nicole Brito é licencianda em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e faz parte do Laboratório de Estudos sobre Políticas, Eleições e Mídia (LEPEM-UFC). É pesquisadora voluntária na área de Comunicação Política e Opinião Pública na ONG #ElasNoPoder e professora de Sociologia no cursinho de Educação Popular, do Projeto Novo Vestibular, na UFC.
https://www.scielo.br/j/cpa/a/ZThn9C6WZM8tpMhN3BWM4Qp/?format=pdf&lang=pt
https://www.scielo.br/j/op/a/HM5XsTP4S8dsGmLgdrqd6fq/?format=pdf&lang=en
https://transparenciaeleitoral.com.br/2021/12/02/relatorio-de-violencia-politica-contra-a-mulher/
Por Rita Ferreira
Vamos conferir nossa história de acesso aos cargos de poder, por meio do voto, e saber quais mecanismos foram criados para enfrentar a problemática da sub-representatividade de gênero?
As mulheres são a maioria da população brasileira e, consequentemente, do eleitorado. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), somos 52,5% das pessoas que votam, contudo, estes números não refletem a representatividade feminina na política.
Pesquisas elaboradas pelo TSE e pela ONU Mulheres demonstram a persistência de obstáculos no acesso das mulheres aos cargos de tomada de decisão, evidenciando o longo caminho que o Brasil tem a percorrer para alcançar tanto a equidade de gênero quanto a racial. No país, as mulheres negras são o maior segmento da população, 28%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Porém, elas são as menos representadas nas instâncias de poder, uma vez que apenas 6% das vereadoras eleitas, em 2020, eram negras. Vale ressaltar que, em 53% das cidades brasileiras, nenhuma mulher negra ocupa a Câmara Municipal.
Ao longo da história, fomos afastadas da vida política e tivemos que lutar muito para conquistar o direito ao voto, que somente foi obtido na década de 1940. Votarmos e sermos votadas é uma história recente, no entanto, o que não é recente é a violência que as mulheres sofrem. E, na política, isso não é diferente.
A violência política de gênero constitui uma das principais barreiras para as mulheres usufruírem de seus direitos, sem mencionar os obstáculos adicionais, referentes à interseccionalidade, ou seja, discriminações cruzadas, experimentadas por mulheres negras, jovens, LGBTQIA+, com deficiência, indígenas, entre outras.
Além da violência política de gênero, muitas vezes, as mulheres são silenciadas nas tomadas de decisão, encontrando dificuldades em ocupar espaços de poder e serem eleitas. Dentre as dificuldades, pode-se elencar os dirigentes de partidos que, em sua maioria, são homens brancos de meia idade, que dificultam o acesso às mulheres e às diversidades, mantendo seus pares na direção partidária. Além disso, a obrigação de cuidar dos filhos e da casa – ou seja, a divisão sexual do trabalho – também se aplica na política. A não ocupação destes espaços leva as mulheres às margens dos processos decisórios de elaboração das políticas públicas, enfraquecendo nossa democracia.
E como podemos mudar essa baixa representatividade das mulheres? Por meio de Políticas de Ação Afirmativa. São políticas públicas que visam medidas para buscar a equidade, ou seja, garantir o acesso de alguns grupos às oportunidades. Uma das maneiras de se implementar essa política são as cotas, que podem ser definidas como uma ferramenta que se manifesta como reserva de vagas, com o intuito de criar um equilíbrio entre os gêneros nas eleições.
O Brasil, desde a década de 1990, vem adotando medidas de ações afirmativas, em forma de regras eleitorais, visando corrigir a sub-representatividade de gênero e, assim, aumentar a quantidade de mulheres candidatas em eleições proporcionais, ou seja, em eleições para as Casas Legislativas (Câmara Municipal, Assembleia Legislativa Estadual e Câmara dos Deputados Federal). Em certa medida, tais iniciativas ocorreram devido às discussões preparatórias para a IV Conferência Mundial da Mulher e a participação do Brasil no encontro.
A primeira proposta foi a Lei nº 9.100/95. Ela previa que, no mínimo, 20% da lista dos candidatos de cada partido ou coligação deveria ser de mulheres. Já em 1997, foi debatido um conjunto de normas para regulamentar o processo eleitoral no país. No bojo dessas discussões, foi promulgada a Lei nº 9.504/97, que definiu o sistema eleitoral unificado e permanente. No entanto, foi o movimento de mulheres e as mulheres eleitas nas Casas Legislativas que conquistaram a expansão do escopo das ações afirmativas.
Na sequência, foi sancionada a Lei nº 12.034/09, que deu nova redação a política de cotas, tornando obrigatório o preenchimento de percentual mínimo de 30% para candidaturas femininas. Isso resultou em um aumento das candidaturas de mulheres, significativamente maior que nas eleições anteriores. Outro ponto que contribuiu para o aumento de candidaturas de mulheres foi a Emenda Constitucional nº 97/2017, que vetou as coligações proporcionais, a partir das eleições de 2020. Desta maneira, a cota passou a ser preenchida por cada partido e não mais por coligações, na proporção de, no mínimo, 30% e, no máximo, 70% com candidaturas de cada gênero para os pleitos proporcionais.
Como toda legislação é passível de debilidades, não foi diferente com as cotas de gênero, pois esta abria espaços para que os partidos apresentassem formalmente as candidatas mulheres, visando preencher os requisitos legais. Mas estas, de fato, não pertenciam à corrida eleitoral, se tornando “candidatas laranjas”. De outro modo, aquelas que se colocavam para a disputa eleitoral não recebiam incentivos financeiros e eram boicotadas, inviabilizando suas condições reais de eleição.
A problemática do financiamento destas candidaturas de mulheres levou a percepção de que, para a política de cotas ter eficácia, seria necessário investimento. Assim, nas discussões da Reforma Política de 2015, foram criados incentivos para as candidaturas femininas. A Lei nº 13.165/15 proibiu a doação de empresas para campanhas. Previu, ainda, que os partidos políticos, obrigatoriamente, empenhassem, no mínimo, 5% e, no máximo, 15% dos recursos nas campanhas de mulheres. Neste contexto, tal resolução institui a desigualdade formal entre homens e mulheres, pois os 30% de mulheres teriam acesso a, no máximo, 15% do Fundo Partidário.
Em 2017, foi criado o Fundo Eleitoral, para compensar o fim do financiamento privado de campanhas eleitorais. O montante dos recursos do fundo passa a ser dividido entre eleições majoritárias e proporcionais para candidaturas femininas, na proporção da cota: 30%. No ano seguinte, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu a inconstitucionalidade da divisão de recursos do Fundo Partidário, apontando que a divisão dos recursos deve ser equiparada ao percentual das candidaturas femininas, como se faz com o Fundo Eleitoral. Em 2019, o TSE determinou que os partidos políticos devem destinar, no mínimo, 30% do montante do Fundo de Campanha e do Fundo Eleitoral para as candidatas e, caso o partido tenha mais de 30% de candidatas, o financiamento deverá ser na mesma proporção.
Uma outra organização que acontece desde a campanha de 2020, além da cota de 30% de gênero na divisão proporcional dos fundos, é a aplicação do mesmo percentual ao tempo de propaganda eleitoral e partidária no rádio e na televisão, com a obrigatoriedade dos partidos fazerem a divulgação dessas candidaturas. Mas um aspecto que devemos levar em conta é: sempre se preserva a autonomia dos partidos, para definir os critérios desta distribuição de recursos. Vale perguntar: será que isso pode gerar alguma preferência a determinadas candidaturas? Lembra da questão da interseccionalidade?
É inegável que as cotas contribuíram para que pudéssemos ter mais candidatas e para que mais mulheres pudessem acreditar em seu potencial para ser uma representante do povo. Contudo, as mudanças têm ocorrido de forma lenta. No geral, o percentual de mulheres eleitas não ficou muito diferente das eleições passadas e a sub-representação nos espaços de poder ainda permanece. Para as mulheres atingirem patamares significativos no número de cargos nos poderes Legislativo e Executivo, mantendo as regras atuais para a participação feminina, levaria mais de 100 anos.
Desse modo, o número de mulheres eleitas para as Casas Legislativas tem aumentado de forma bastante morosa. Isso porque, além da dificuldade para se candidatar, as mulheres também têm enfrentado desafios no que diz respeito ao apoio interno nos partidos. São constantes as disputas por recursos e verbas que são destinados às campanhas, pois eles aumentam ou diminuem, significativamente, as chances de eleição dos postulantes aos cargos políticos.
Dentro do escopo das cotas, as bancadas de mulheres das diversas Casas Legislativas debatem não apenas sobre cotas para as candidaturas, mas para as vagas no Legislativo. No entanto, para além das cotas, há a necessidade de se alterar a cultura política. É fundamental que as mulheres possam se colocar enquanto candidatas, uma vez que estas estão nos movimentos sociais, nas associações e em diversos outros espaços.
Há a necessidade de incentivar, desde criança, que as mulheres ocupem, também, o espaço público e, assim, participem da política, inclusive, da representação política, pois somos seres políticos.
E eu, como eleitora, o que posso fazer? Temos papel fundamental nessa mudança de cultura política. Vamos ouvir e dar voz às candidatas mulheres que defendem as pautas das mulheres! Vamos abalar as estruturas do patriarcado, deixando de replicar as falas de que as mulheres não sabem se colocar na política. Vamos incentivar as manas, as minas e ecoar por uma de nós nas Casas Legislativas. Por todas nós.
Sobre a autora: Rita Ferreira é psicopedagoga pela FAMERP, cientista social e pedagoga pela UNESP. É membra associada do NUPE e atuou como coordenadora de Políticas para Mulheres, em Araraquara (SP). Atualmente, é coordenadora Técnica de Apoio aos Conselhos Escolares e foi presidenta do Conselho de Combate à Discriminação e ao Racismo. Também atua como promotora Legal Popular e coordenadora da Coletiva Bennu. É, ainda, representante das PLPs de Araraquara, na Coordenação Estadual e na Rede Nacional de PLPs; articuladora do Aquilombamento das PLPs Pretas; e presidenta do Conselho dos Direitos das Mulheres de Araraquara.
Por Priscila Sanches Nery Oliveira
Desde a redemocratização do Brasil, em 1985, não se via um cenário político marcado por tanto ódio e tanta tensão. Nas redes sociais, os ataques são massivos, as fake news se propagam em velocidade absurda, os ânimos se acirram e os debates são acalorados. Isso significa que estamos expostas a um constante estresse, que ultrapassa os veículos de comunicação e estão presentes em nosso dia a dia.
Essa tendência, contudo, não foi observada somente no Brasil e as últimas eleições presidenciais nos E.U.A. mostraram isso. A polarização entre Biden e Trump foi tão significativa, que foram feitas pesquisas sobre como esse estresse impactou a saúde mental dos eleitores. Devido aos resultados, psiquiatras americanos criaram um termo para descrever os sintomas de irritabilidade, tensão, ansiedade e tristeza que as pessoas desenvolveram durante o período: transtorno de estresse eleitoral.
Soma-se à polarização o fato de que as mulheres não se percebem representadas na esfera política. As eleitoras aptas ao exercício do voto somam 52,49% do eleitorado brasileiro, ou seja, a maioria dos votantes. Entretanto, o Brasil ocupa o 145º lugar – em um ranking de 187 países – no que se refere à representação feminina na política. Chegam a ocupar somente 16% nas Câmaras de Vereadores e 12,1% nas Prefeituras, por exemplo. Sem essa representação, projetos de leis, emendas e políticas públicas voltadas para as mulheres tornam-se difíceis e escassas.
É nesse cenário que a dimensão do cuidado atravessa a política. O conceito de cuidado é definido como ação de cuidar, de conservar, de apoiar e tomar conta. Esse cuidado implica em uma rede de ajuda entre as mulheres para promover seu bem-estar físico e mental. E, além do cuidado como estratégia de união entre as mulheres, é preciso, também, falar sobre o autocuidado: a noção de que cada uma de nós é responsável pelo seu próprio bem-estar.
Porém, a dimensão do cuidado para as mulheres esbarra em uma questão sociocultural bastante presente: o cuidado do outro. É impossível falar de cuidado sem mencionar a socialização feminina. Para a Sociologia, o processo de socialização se define como sendo a assimilação que um determinado indivíduo faz de hábitos, características comportamentais e culturais do grupo social no qual está inserido. Sendo assim, a socialização feminina diz sobre os comportamentos que introduzimos por meio da cultura e sobre o papel de gênero que nos é imposto desde que nascemos.
Mulheres são definidas como seres passivos, submissos, dóceis, frágeis, abnegados, subservientes e etc. Em última instância, a qualidade de cuidadora é uma das grandes virtudes “intrinsecamente” femininas. Na verdade, somos ensinadas a cuidar de todos à nossa volta. As brincadeiras consideradas para meninas vão desde a boneca (que nos ensina a cuidar e maternar) até o fogãozinho de mentira (que nos ensina a cozinhar para os outros). Enquanto os meninos voltam-se para si mesmos, desde a infância, brincando com carrinhos de diversas profissões (bombeiro ou policial), além de priorizar super-heróis, que exaltam as noções de virilidade e de poder masculino.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), essa construção social é tão real que as chamadas “profissões do cuidado”, como a Enfermagem e a própria Psicologia, são majoritariamente femininas. Na Enfermagem, elas representam 85% das trabalhadoras; na Psicologia, são 80% das profissionais. Já no Serviço Social, elas representam mais de 90% das pessoas formadas.
Para além da profissão, esse cuidado do outro não costuma gerar gratidão e relacionamentos recíprocos. Pelo contrário, são mulheres sobrecarregadas e adoecidas em múltiplas funções. Uma prova disso é a pesquisa, realizada pelas universidades de Stanford e de Utah, nos E.U.A., que revelou que as mulheres têm seis vezes mais chances de serem abandonadas pelos seus parceiros quando ficam doentes do que os homens têm de serem deixados pelas suas companheiras. O índice de divórcio, quando a mulher adoece, também surpreendeu, ficando na casa dos 20%. Em contrapartida, somente 3% dos casamentos eram desfeitos quando os maridos adoeciam.
Em minha experiência clínica no atendimento de mulheres – de diversos estados e até de brasileiras residentes no exterior –, a dedicação ao cuidado dos outros aparece frequentemente. Mulheres que abdicaram da própria vida para cuidar dos pais idosos, mesmo tendo irmãos que poderiam dividir essa responsabilidade; mulheres casadas que deixaram de lado seus sonhos, para concretizar a ambição profissional de seus maridos; mães solos sobrecarregadas no cuidado dos seus filhos… Os exemplos são os mais diversos e escancaram a realidade do cuidado feminino como uma dimensão voltada sempre para o outro.
Nesse ponto, é essencial refletir que existe um projeto patriarcal bastante conveniente, quando somos ensinadas a esquecermos de nós. Mulheres sobrecarregadas em triplas jornadas, financeiramente dependentes e que priorizam os outros são mulheres que não conseguirão realizar suas metas profissionais, de carreiras políticas ou mesmo de ambições financeiras. São mulheres ocupadas demais para se articular, para se dedicar ao seu autocuidado, para realizar seus próprios sonhos. Dessa forma, se perpetua a desigualdade política de gênero. Enquanto os homens saem para trabalhar, muitas mulheres ainda continuam realizando o trabalho doméstico invisível e não-remunerado. Quando não, são abandonadas pelos seus parceiros e chefiam a família com subempregos. Mesmo quando trabalham fora, são pressionadas a assumir outras funções: mãe, dona de casa, esposa. Em todos os casos, falta tempo para elas e sobra obrigação com os outros.
Outro aspecto de fundamental importância é notar que a socialização feminina também é responsável por produzir, em nós, um medo de protagonizar nossas próprias vidas. Se estivermos sempre voltadas para o outro, esquecemos de desenvolver nossa capacidade de autonomia, nossa coragem de liderar e, ao mesmo tempo, de nos percebermos independentes, sem o medo de errar ou de sermos julgadas. Estar à frente, abrir caminho e ser referência para outras mulheres é romper com o que se espera de nós: subserviência e resignação.
É necessário desconstruir toda essa crença de auto sacrifício e de eterna disponibilidade para ajudar todos. Enquanto as mulheres se entenderem como seres que auxiliam, ajudam e cuidam somente dos outros, elas se esquecerão de dedicar um tempo para si mesmas. O excesso de cuidado alheio pode significar a anulação e o apagamento do eu, a quem elas realmente deveriam priorizar.
Na política, o cuidado voltado para nós mesmas e para outras mulheres pode significar desenvolvermos nosso potencial como protagonistas, concretizando mais candidaturas femininas, articulando redes de discussão e de debate sobre a desigualdade política de gênero e etc. Além disso, é importante organizar e conscientizar as eleitoras brasileiras sobre a importância de eleger mulheres comprometidas com nossas pautas.
Todas essas mudanças são necessárias porque, mesmo eleitas, as mulheres continuarão encarando um ambiente político hostil e despreparado para lidar com a participação feminina nos diferentes âmbitos do poder. Para se ter uma ideia do que as mulheres eleitas enfrentam, o banheiro feminino do Senado Federal foi construído somente em 2015, após 55 anos da sua inauguração. Antes disso, apenas o banheiro masculino existia no plenário em questão. Além de uma estrutura nada comprometida com a igualdade, as parlamentares também enfrentam o que chamamos de violência política de gênero: silenciamento, xingamentos misóginos, interrupções de suas falas, ameaças e os mais diferentes tipos de abuso.
Cuidar dessas mulheres também significa escutar e acolher as dificuldades de permanecer trabalhando em um lugar que parece ter aversão à igualdade de gênero. Formado majoritariamente por homens, os ambientes políticos no Brasil não estão preparados para a participação feminina, que é cada vez mais proeminente. Independente disso, temos conquistado mais espaço e a luta nos renderá mais frutos em cada nova eleição. Por isso, é essa dimensão do cuidado que devemos ampliar: o cuidado de nós para nós mesmas e de nós para com outras mulheres. Isso fortalece nossa luta e divide o fardo das adversidades pelo caminho.
Sobre a autora: Priscila Sanches Nery Oliveira é mulher nortista, criadora de conteúdo, ativista feminista e psicóloga clínica com perspectiva de gênero. É graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará, especialista em Análise Existencial pela Faculdade Católica de Fortaleza, possui formação em Saúde Mental, Gênero e Sexualidade pelo Instituto NOSTRUM e é pós-graduanda em Psicoterapia On-line pela PUC-RS.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Baixa representação política deixa mulheres fora do poder. Site da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Disponível em: https://www.almg.gov.br/acompanhe/noticias/arquivos/2022/03/16_direitos_mulher_representacao_politica
Como se proteger de tristeza, raiva e medo após eleição? BBC News. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63080203
DOWLING, Colette. Complexo de cinderela. Editora Melhoramentos. 2ª ed, 2012.
Mulheres no mercado da saúde. Blog Alice me disse. Disponível em: https://blog.alice.com.br/nossa-voz/mulheres-no-mercado-de-saude/
Na saúde, sim. Na doença, não. Pesquisa diz que as mulheres têm seis vezes mais chance de ser abandonadas pelos maridos quando estão doentes. O que os faz ir embora?. ISTOÉindependente. Disponível em: https://istoe.com.br/31664_NA+SAUDE+SIM+NA+DOENCA+NAO/