Por Bárbara Maia Pontes
Frequentemente, ouvimos falar, seja em jornais ou na internet, sobre questões ambientais, como o aquecimento global e o desmatamento. E, provavelmente, você já sentiu na pele alguns desses efeitos: ondas de calor anormais; baixas de temperatura históricas; tempestades, chuvas e alagamentos em diversas partes do país e do mundo; poluição e queimadas que prejudicam a respiração… Todos esses fenômenos podem ser entendidos a partir do que a ciência costuma chamar de “mudanças climáticas”.
Essas mudanças são transformações, a longo prazo, nos padrões de temperatura e clima do planeta. Parte dessas alterações ocorre de maneira não-natural, como resultado da atividade humana – a partir da queima de combustíveis fósseis, como o petróleo, por exemplo, que contribui para a emissão de gases do efeito estufa na atmosfera. Os impactos dessas mudanças já são sentidos em boa parte do globo e são responsáveis por perdas para pessoas e para o meio ambiente como um todo: secas intensas, inundações, falta de água, extinção da fauna e da flora, além de impactos mais diretos na forma de trabalhar, produzir, cultivar e viver.
Em 2022, por exemplo, a Europa viveu a pior seca dos últimos 500 anos, enquanto que, no Brasil, as chuvas no primeiro semestre do ano foram responsáveis por enchentes e deslizamentos em estados como Pernambuco e Rio de Janeiro, causando perdas materiais e de vidas.
Ainda que os impactos da crise climática afetem todas as pessoas ao redor do mundo, nem todos vão sentir seus efeitos da mesma forma ou vão reagir a essas mudanças da mesma maneira. Isso acontece porque a destruição da natureza tem impactos específicos sobre populações específicas, especialmente os mais pobres e racializados – pessoas negras, indígenas, quilombolas e comunidades ribeirinhas.
Por essa razão, ao falar em mudanças climáticas e pensar no que podemos fazer sobre isso, é importante levar em consideração dois conceitos: o de racismo ambiental e o de justiça socioambiental.
“O racismo ambiental refere-se à qualquer política, prática ou diretiva que afete de forma diferenciada ou prejudique (intencionalmente ou não) indivíduos, grupos ou comunidades com base na raça ou cor”
– Robert Bullard, pesquisador e especialista em racismo ambiental |
O conceito de racismo ambiental vem da experiência de movimentos sociais, nos Estados Unidos, no final da década de 1970 e início da década de 1980, ao perceberam que as comunidades mais pobres e mais racializadas estavam mais expostas a riscos ambientais e intervenções prejudiciais do poder público – como habitação próxima a depósitos químicos e lixões, e contaminação por resíduos industriais. As denúncias fazem parte de um movimento conjunto de sindicatos, organizações ambientais e minorias étnicas, que passou a colocar em pauta essas desigualdades e a exigir melhores condições de vida e para o meio ambiente.
Apesar de mais atingidos pelos desastres ambientais, as populações vulneráveis e mais pobres são as que menos contribuem para o problema. Na verdade, tanto em termos regionais quanto de classe e raça, há aspectos reveladores dos maiores responsáveis por emissões de gases do efeito estufa e pelos impactos climáticos.
Dados da revista Science apontam que, sozinho, os Estados Unidos representam 40% da responsabilidade pelo colapso climático, enquanto que os países do Sul Global correspondem a apenas 8%. Em termos de classe, o relatório da OXFAM aponta que, de 1990 a 2015, o 1% mais rico do mundo (60 milhões de pessoas) foi responsável por 15% das emissões globais – ou mais do que o dobro que as emissões produzidas pela metade mais pobre.
Isso significa que os bilionários e os países mais ricos são os principais responsáveis pela emergência climática. Não só eles, mas também empresas ao redor do globo têm larga parcela nos padrões de poluição que afetam o clima: são apenas 20 empresas, especialmente ligadas ao setor de combustíveis fósseis, as responsáveis por ⅓ das emissões de carbono no mundo.
No caso dos brasileiros, onde raça e classe estão profundamente ligadas, entender a natureza dessas questões se torna ainda mais importante. Em nosso país, persistem desigualdades estruturais ligadas à cor da pele e à identidade étnica. Esse cenário traz à tona algumas questões importantes para entender o que significam essas injustiças ambientais:
A partir dessas perguntas, é possível notar um padrão: as populações vulneráveis – negros, indígenas, pessoas com deficiência, mulheres e pobres, por exemplo – são atingidas de forma distinta pela questão ambiental. São os mais expostos aos efeitos das mudanças climáticas, são os mais suscetíveis aos danos por elas causados e os que têm menor capacidade de se recuperar (financeiramente) desses danos.
Os deslizamentos de terra, por exemplo, têm mais riscos em áreas de ocupação desordenada, nas encostas de morros. Comunidades ribeirinhas e casas de periferias em morros são particularmente vulneráveis a esse tipo de catástrofe. Um estudo sobre a região do Paraná observou, ainda, que os municípios onde se concentram as situações de pobreza e menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) são, também, os locais onde mais se destinam resíduos sólidos urbanos (os lixões, por exemplo). Isso se relaciona com a omissão do poder público, que dá menos estrutura a esses espaços ou não direciona políticas para prevenção. As mulheres, por sua vez, são mais suscetíveis a esses impactos, segundo estudos, e estão mais expostas ao risco de morte, insegurança alimentar, doenças infecto-contagiosas, problemas de saúde mental e de acesso precário aos serviços de saúde reprodutiva e materna.
Na questão ambiental, portanto, há ligações importantes entre o acesso a direitos, aplicação igualitária de leis, produção de alimentos e uso de território e as comunidades que habitam esses espaços. Isso conecta questões raciais, étnicas, de classe e políticas, mostrando que meio ambiente e sociedade estão ligados e que direitos ambientais andam de mãos dadas com direitos sociais e civis.
A injustiça climática se refere às exposições desproporcionais que grupos ou comunidades mais vulneráveis sofrem em determinado território. |
Sobre a autora: Bárbara Maia Pontes é doutoranda em Ciência Política pela Universidade de Brasília, mestra em Estudos Urbanos e Regionais e bacharel em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Pesquisa temas ligados às políticas públicas, em especial, política de desenvolvimento, políticas sociais e política agrícola. Acredita que a luta pelo meio ambiente é a mais importante de nossa geração e que, com acesso a conhecimento e organização, podemos mudar a atual situação das coisas.
Conteúdo revisado em 15 de dezembro de 2023.
Por Bárbara Maia Pontes
Em contraponto a essas injustiças, busca-se a justiça climática ou a justiça socioambiental, que tem em seu cerne a ideia de garantir que nenhum grupo de pessoas seja afetado desproporcionalmente por consequências ambientais negativas – seja de operações econômicas, industriais, comerciais, políticas e/ou programas públicos.
Se a crise climática é urgente, ela é central em qualquer candidatura séria no atual momento, especialmente porque ela se relaciona profundamente com outras áreas: relações exteriores, comércio, ciência, tecnologia e direitos humanos, por exemplo. Apesar do desafio e complexidade do tema, isso também aponta para a urgência de candidaturas que tragam a pauta em suas agendas.
Na campanha presidencial de 2022, todos os principais candidatos à Presidência da República trouxeram, em seus planos de governo, propostas para o meio ambiente. Longe de ser um problema central apenas do Executivo Federal, a pauta é essencial a qualquer candidatura que tenha como foco o futuro do país, de sua população local e nacional, e do mundo.
Por essa razão, pensar sobre as causas, consequências e possíveis soluções para os problemas climáticos que estamos enfrentando na atualidade requer líderes preparados, criativos e, necessariamente, atentos a essa questão. É fundamental que eles a coloquem na agenda e no debate político e, especialmente, que compreendam que é preciso ter as melhores soluções – e soluções que incluam a todas, todos e todes – para os problemas climáticos e ambientais em nosso país.
Muitas iniciativas aparecem como supostas soluções para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, mas, na verdade, são falsas respostas, “maquiagens verdes”, políticas que reforçam privilégios e minimizam o problema, além de soluções individualistas, que perpetuam desigualdades ao invés de combatê-las.
Como, então, enfrentar essas questões com justiça ambiental? Chamando atenção para os principais responsáveis pela emissão (grandes produtores, corporações e bilionários); incorporando – nas agendas públicas agrícolas e agrárias, de habitação, saneamento e resíduos sólidos – a agenda ambiental, com princípios de equidade; incluindo atores sociais diversos nesse debate – para reconhecer as contribuições importantes que populações tradicionais podem ter para o cuidado ambiental; refletindo sobre medidas que realmente reconheçam os direitos e a participação ativa de pessoas e comunidade, especialmente, as mais atingidas pelo problema e as principais vítimas das desigualdades sociais.
É justamente porque os problemas ambientais nos afetam diariamente, e têm impactos nas vidas cotidianas dessa e das futuras gerações, que eles precisam estar no centro de nossa atenção, na agenda pública e governamental.
Em tempos eleitorais, isso é particularmente mais importante: a urgência da pauta climática deve ser uma preocupação fundamental para aqueles que irão ocupar os cargos políticos no Brasil de amanhã e que têm o dever de propor ações para reverter esse cenário, já no Brasil de hoje.
Não dá pra falar de justiça climática sem falar de ação – e ações para o agora. Seu plano de governo pautou essas questões?
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Sobre a autora: Bárbara Maia Pontes é doutoranda em Ciência Política pela Universidade de Brasília, mestra em Estudos Urbanos e Regionais e bacharel em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Pesquisa temas ligados às políticas públicas, em especial, política de desenvolvimento, políticas sociais e política agrícola. Acredita que a luta pelo meio ambiente é a mais importante de nossa geração e que, com acesso a conhecimento e organização, podemos mudar a atual situação das coisas.
Conteúdo revisado em 15 de dezembro de 2023.