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Novembro 10, 2020. Por Priscilla Silva

Ameaças e assédio online – o que fazer?

Uma pesquisa feita pela ONG Plan International Brasil revelou que 77% das 500 mulheres entrevistadas já sofreram algum tipo de assédio online. Infelizmente o resultado da pesquisa não surpreende, pois essa é uma realidade que acomete a vida de muitas mulheres.

E você, amiga candidata, que trabalha diretamente com a exposição de sua imagem em campanhas políticas, encontra-se em uma situação ainda mais propensa a ataques. Pensando nisso, este guia foi idealizado para te ajudar a driblar esses ataques e a se empoderar no ambiente das mídias sociais. Afinal, a internet não é terra sem lei!

Situações que podem gerar danos pessoais às candidatas na rede:

Ofensas não criminosas

Antes de tudo, é preciso dizer que há uma zona cinzenta acerca das consequências jurídicas sobre algumas ofensas proferidas online. Quando falamos sobre os limites à liberdade de expressão, a análise será sempre caso a caso, variando sobre o conteúdo da mensagem ofensiva. Precisamos ainda lembrar que em um estado democrático de direito nem sempre o que é visto como ofensa para uma pessoa é também considerado ofensa para outra. Não há consenso na jurisprudência, por exemplo, sobre o compartilhamento e curtidas de mensagens ofensivas.

Crimes contra a honra

Os Códigos Penal e Eleitoral preveem a punição de prisão e multa para os “crimes contra a honra”. Veja exemplos:

  • “Ela recebeu propina para fraudar a última licitação!” – Considera-se calúnia o ato de atribuir falsamente a alguém a prática de um fato criminoso. Note, que nesse caso, é preciso que a imputação do crime seja sobre um fato específico e, por isso, dizer que ela recebeu propina naquela situação específica seria considerado calúnia, mas dizer que ela é corrupta não. (Calúnia – art. 138 do Código Penal e art. 324 do Código Eleitoral. Pena: detenção de 6 meses a 2 anos).
  • “Ela enganou os eleitores ao descumprir sua promessa naquela campanha!” – Considera-se difamação o ato de imputar fato ofensivo à reputação de alguém. Novamente precisamos de um fato e, por isso, dizer que ela é mentirosa não configura difamação. (Difamação – Art. 139 do Código Penal e do Art. 325 do Código Eleitoral com pena de 3 meses a 1 ano).
  • “Ela é corrupta!” / “Ela é mentirosa” – Considera-se injúria a ofensa sobre a honra subjetiva de alguém, ou seja, o juízo que a pessoa faz sobre seus próprios atributos. Enquanto nos exemplos anteriores precisávamos de fatos, aqui basta uma qualificação negativa. (Injúria – Art. 140 do Código Penal e 326 do Código Eleitoral. Pena de até 6 meses de detenção).

Entenda mais: 

  • Injúria racial: as ofensas relacionadas à raça, cor, etnia, religião, idade ou deficiência configura o crime de injúria racial, com pena mais grave. (Injúria racial – art. 140, § 3 do Código Penal. Pena de pena de reclusão, de 1 a 3 anos e multa).
  • Racismo (discurso de ódio): o discurso de ódio é uma forma frequente de ataque na internet e se classifica na lei como crime de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. O racismo, portanto, é uma forma específica de discurso de ódio que, além ter a pena aplicável aos crimes de discrinação, é um crime que não prescreve. Ou seja independentemente de quantos anos se passaram desde o cometimento do fato criminoso, ainda assim o fato é punível. (Discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional – Art. 20. Pena de reclusão de um a três anos e multa).

Obs.: O crime de injúria racial é diferente do crime de racismo. Enquanto a injúria racial é definida pelo ataque direto à pessoa com base raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, o racismo se configura quando se busca atingir uma coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando a integralidade de uma raça.


Ameaça e constrangimento ilegal

  • “Eu vou matá-la” – As ameaças podem ser configuradas por palavra, escrito, gesto ou símbolo e tem como objetivo causar um mal injusto ou grave. (Ameaça – art. 147 do Código Penal. Pena de detenção, de um a seis meses, ou multa).
  • “Se ela não me favorecer, eu vou matá-la” –- O constrangimento ilegal ocorre quando, para convencer alguém a realizar uma conduta ilegal ou não prevista em lei, se constrange a pessoa através de ameaça ou violência. (Constrangimento ilegal – art. 146 do Código Penal. Pena de detenção, de três meses a um ano, ou multa).

Exposição na internet (violações à intimidade)

  • “Doxing”: prática de procurar e divulgar informações privadas ou informações de identificação pessoal de um indivíduo, como seu telefone, e-mail ou endereço, com o objetivo de intimidar ou ameaçar à pessoa exposta. Nem sempre há resposta criminal. configura crime a divulgação ou transmissão a terceiros os dados ou as informações obtidas mediante a invasão de um dispositivo informático alheio, com a violação indevida de um mecanismo de segurança. (Invasão de dispositivo informático – Art. 154-A. Pena de detenção, de três meses a um ano, e multa).
  • Exposição de imagens íntimas não consentidas ou momento de intimidade: se você teve alguma imagem íntima espalhada na rede sem o seu consentimento, esse fato constitui crime. (Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia. Art. 218-C. Pena de reclusão reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave).

O que fazer?

Termos de uso – mecanismos através das plataformas

As plataformas (websites, aplicativos e mídias sociais, por exemplo) podem criar regras próprias em seus ambientes privados. Estas regras são publicadas nos Termos de Uso e refletem os padrões de boa convivência e os limites e responsabilidades do proprietário do website ou aplicativo. 

Cada plataforma pode fazer suas regras próprias (e, por isso, chamamos de autorregulação), a depender do desenho e serviço oferecido e essas normas de conduta são aceitas pelo usuário no momento em que se cria um perfil naquela mídia social ou se acessa a página daquele serviço. 

Ao infringir essas normas de conduta o indivíduo pode ter suas postagens ou perfil removido ou bloqueado. E aos que se sentirem lesados ou entenderem que determinado post não condiz com o aceitável socialmente, podem denunciar. Toda plataforma digital de redes sociais possuem mecanismos próprios de denúncia voltados para o combate a discursos de ódio, pornografia, nudez, assédio sexual, por exemplo.


Atenção!
Algumas das medidas indicadas a vítimas de assédio sexual online são:

  • bloquear imediatamente a pessoa que cometeu a ofensa;
  • reportar à mídia social onde aconteceu o incidente para que tome as providências necessárias;
  • registrar imagens do assédio através de capturas de tela, fotos e cópia do endereço eletrônico.


Dica:
Busque, na central de ajuda da plataforma de interesse as instruções para denúncia de páginas e perfis. Aqui listamos as principais:

  • Facebook
  • Instagram
  • Twitter 

Além da remoção de conteúdo ou do perfil, as plataformas podem atuar de outras formas: diminuir alcance de conteúdo de desinformação; criar alertas de verificação de conteúdo e de conteúdo inadequado, a partir do trabalho de agentes de checagem parceiros; congelamento do perfil (situação em que o ofensor somente pode ver as mensagens e não enviar durante um período); verificação da propriedade da conta; suspensão permanente da conta.


Dica: Em caso de vazamento ou publicação de imagens íntimas não consentidas, a plataforma deverá retirar aquele conteúdo do ar o mais rápido possível após a notificação de denúncia. Caso a plataforma não atenda à notificação de retirada a plataforma poderá ser responsabilizada civilmente em juízo, assim como o sujeito responsável pelo vazamento. (O Marco Civil da Internet, em seu art. 21 oferece essa proteção adicional para o caso de publicação de imagens íntimas não consentidas).

Comunicação às autoridades de persecução brasileiras

Resoluções:

Além dos mecanismos administrativos de denúncia na plataforma há algumas medidas jurídicas que podem ser tomadas:

  • Âmbito cível: via de regra, quando se  a busca reparação do dano através de indenização monetária, ou quando se busca uma atuação da plataforma que não foi tomada a partir da denúncia na própria plataforma (por exemplo, exigir judicialmente a remoção de conteúdo ofensivo).
  • Âmbito criminal: via de regra, busca repressão.

Registro dos fatos – Qual material que precisa juntar?

1 – Realizar a captura de tela ou foto de todas as ocorrências/ copiar as URLs (endereço eletrônico que permite que o seu site ou blog seja encontrado na rede).

2 – Realizar a Ata Notarial em Cartório de Notas comprovando a veracidade das provas coletadas. Ata Notarial é o instrumento público através do qual o tabelião descreve, por seus sentidos, uma determinada situação ou um determinado fato que lhe é apresentado. No caso, o tabelião irá atestar, a partir de sua fé pública, que o conteúdo descrito e fotografado existe online.

Dica: É depois de realizada a Ata Notarial que se recomenda a realização da denúncia online através dos mecanismos das plataformas. Isso porque se o conteúdo for removido pela plataforma, as provas já foram coletadas.

3Requisição Judicial dos Registros: muitas vezes as publicações são postadas por perfis falsos (podendo inclusive acarretar em responsabilidade sobre o crime de falsa identidade, caso o ofensor assuma a identidade de outra pessoa) e, nesses casos poderá ser requisitado em juízo o acesso de registros de conexão em aplicação de internet, respaldado no Marco Civil da Internet.

Onde ir?

A agressão ou ameaça pode ser comunicada às autoridades policiais, mediante a realização de um Boletim de Ocorrência na delegacia de polícia, militar ou civil, mais próxima da residência da vítima. Em alguns Estados há a possibilidade de emissão de Boletim de Ocorrência eletrônico.


Dica: Existem delegacias especializadas na repressão de crimes praticados por meios virtuais, como, por exemplo, a Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI) no Rio de Janeiro. Pesquise se há na sua cidade. Caso não haja, não se preocupe, qualquer delegacia poderá realizar o Boletim de Ocorrência. 

O Delegado de Polícia poderá instaurar um inquérito policial para identificar os responsáveis pela comunicação e todas as circunstâncias que envolvem o fato.

Busque auxílio de um advogado ou da Defensoria Pública!

Eles irão instruí-la durante o processo na proteção da sua honra e integridade.

Agora você já sabe: ao se deparar com uma ofensa online e já pode interagir sem medo!

 

 

 

 

Priscilla Silva

Doutoranda e mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio, fellow do programa de estudos em Direito e Religião ICLRS, promovido pela BYU na Universidade de Oxford. Pesquisadora em Direito e Novas Tecnologias do ITS Rio.