Como retomar a atividade econômica pensando no futuro.
Estamos diante de um momento crucial da história das cidades brasileiras. Mergulhadas num colapso econômico, social e ambiental, elas precisam se reerguer, com urgência. Mas essa necessidade pode ser vista também como uma grande oportunidade de desenvolvimento. Os prefeitos e vereadores que forem eleitos em 2020 devem ter a responsabilidade de posicionar nossas cidades para o futuro, encaixando-as no novo modelo de desenvolvimento, que faça um uso racional dos seus recursos e seja resiliente para enfrentar os desafios que nos aguardam, que não são poucos.
Metade dos brasileiros teve uma perda de renda durante uma pandemia, e o baque está sendo maior nas famílias que restituir até dois preços por mês1. Entre as empresas, as menores são as mais duramente afetadas2. Ao mesmo tempo, a crise climática está se intensificando rapidamente, com um aumento na incidência e na intensidade de desastres – inundações, deslizamentos, secas, fumaça de incêndios. Essas duas grandes crises só têm solução real se as juntas abordadas. O trabalho de adequar as cidades às novas realidades do clima tem que ser o impulso que vai empurrá-las para fora da crise econômica, gerando empregos e provedores de recursos financeiros.
Cidades que fazerem isso vão se posicionar para receber investimentos internacionais, de empresas, governos, organizações supranacionais e do terceiro setor – fundamentais em tempos de crise fiscal no Brasil. Cada vez mais, o acesso a esses recursos será condicionado a ter projetos que levem em conta como mudanças climáticas e ajudem a reduzir seus efeitos destrutivos.
É hora das cidades identificarem seus recursos subutilizados e criar cadeias proporcionadas por eles, pensando no desenvolvimento . Um bom lugar para procurar é no lixo: todas as cidades brasileiras descartam materiais valiosos, desperdiçando potencializar. Outro caminho é incentivar a descentralização da atividade econômica, espalhando oportunidades por todo o território.
Os desafios são imensos e uma gestão comprometida com a mudança. É preciso se antecipar aos desastres possíveis, garantindo uma resposta rápida nos momentos de crise. Uma gestão resiliente é aquela que tem visão de longo prazo, criatividade, organização e compromisso com a promoção da qualidade de vida, a superação de desigualdades históricas, a restauração dos ecossistemas destruídos e a recuperação da eficiência na gestão pública. É hora de pensar no desenvolvimento integral da cidade, olhando para os pilares que a escolha: o indivíduo, a comunidade, o ecossistema e a governança. Seguindo esse caminho, é possível não apenas superar uma crise imediata, mas também deixar um legado permanente.
Emprego e renda
- É URGENTE criar infraestrutura para fomentar o empreendedorismo, a economia local e o trabalho remoto. É o que a cidade de São Paulo está tentando fazer com o projeto Teia , uma rede de co-workings públicos e gratuito, que oferece orientação, equipamento, espaço e limites para o trabalho dividido. A ideia é atrair os talentos de cada região, e conectar-se às necessidades, criar redes locais de empreendedores, e diminuir a necessidade de tantos deslocamentos.
- É NECESSÁRIO empregar muita gente na reconstrução. Ao longo dos próximos anos, como cidades precisarão de uma grande força de trabalho empregada no processo de transição para o futuro. A recuperação de edifícios no centro para moradia, o plano nacional de saneamento, a regeneração florestal das margens dos rios, a instalação de infraestrutura para captar energia solar e a adaptação das cidades aos efeitos da mudança climática são exemplos de projetos protegidos, que beneficiário a todos , e que têm enorme potencial de geração de empregos e formar mão de obra.
- UM DESAFIO: o Estado brasileiro está quebrado . Mas não desanime: há dinheiro em outros lugares. Em 2021, vai começar o esforço global para finalmente acelerar a transição para uma economia de baixo carbono, a partir da reconstrução pós-pandemia. As cidades que se alinharem com esse objetivo vão poder buscar recursos nos lugares mais diversos: da ONU às corporações multinacionais de Davos, da OCDE ao Banco Mundial, dos grandes bancos privados brasileiros às fundações dos maiores bilionários do mundo, como George Soros e Bill Gates.
- UMA IDEIA: aposte no empreendedorismo feminino. Programas locais para incubar e impulsionar projetos de mulheres são importantes para reduzir a desigualdade de gênero no mercado de trabalho e podem fazer milagres para reanimar comunidades inteiras.
Economia circular
- É URGENTE fechar os ciclos da cidade, para parar de desperdiçar recursos e resíduos acumulares. Costumávamos pensar nas cidades de maneira linear: recursos entram, resíduos saem. Esse pensamento foi um dos fatores que nos trouxeram a esta crise. Para que a reconstrução seja possível, será necessária uma nova lógica, circular, na qual todos os resíduos são transformados em insumos de novo, economizando recursos e tornando a produção mais local, inclusiva e sustentável. O trabalho do gestor público é zelar pelo bom funcionamento do metabolismo da cidade no longo prazo: a circulação saudável dos recursos que alimentam seus processos. Um bom exemplo é o de Amsterdã, que está gerando centenas de novos postos de trabalho recuperando resíduos sólidos da cidade e transformando em material para a construção civil.
- É NECESSÁRIO identificar os recursos abundantes de cada cidade. Nova York criou o programa doeNYC, uma iniciativa para facilitar a doação e redistribuição de materiais através de uma plataforma online de trocas. A iniciativa é voltada tanto para residentes quanto para empreendedores da cidade – gente que quer criar uma empresa a partir dos resíduos. Outro exemplo inspirador é o ReTuna Aterbrucksgalleria, um centro comercial criado por uma empresa da prefeitura, que vende apenas produtos recuperados do: lixo reusados, remanufaturados, consertados ou reciclados. O shopping é vizinho ao centro de processamento de resíduos da cidade.
- UM DESAFIO: todos os nossos sistemas foram concebidos numa lógica linear. A mudança para a economia circular vai exigir muita paciência para reinventar o modo de fazermos basicamente todas as coisas.
- UMA IDEIA: conectar as escolas públicas com a economia circular. As escolas já têm um papel central no engajamento das crianças na reciclagem, mas é possível avançar mais, envolvendo crianças, jovens e famílias em projetos de empreendedorismo que busquem soluções para o reaproveitamento de resíduos. Uma escola municipal no Mato Grosso do Sul tem aplicada uma metodologia do Sebrae para uma educação empreendedora, e os alunos criam negócios sustentáveis para a venda de produtos como brinquedos ecológicos, mudas de plantas, ervas aromáticas e artesanato, ou de serviços, como locação de livros.
IMAGINE O DIA EM QUE a vida de cada bairro sustentar uma economia vibrante e cheia de oportunidades por lá mesmo. Imagine que muitas dessas oportunidades podem estar no trabalho de transformados em recursos, acabando com os desperdícios e criando valor onde antes só havia lixo.
Não adianta tentar reaquecer a economia das cidades investindo os escassos recursos num modelo predatório, que já não tinha futuro. O futuro dos investimentos e dos empregos é verde, e apostar nessa chave é essencial para uma recuperação econômica que se sustenta. Cada real gasto na reconstrução da economia pós-pandemia precisa ao mesmo tempo ajudar a criar as bases para uma nova economia, resiliente e sustentável, que pense no longo prazo. Quanto mais cedo ocorrer essa transição, será possível ocorrer mais cedo da crise e mais oportunidades estarão disponíveis no caminho para alavancar esse processo.
NÃO ESQUEÇA
- Datafolha, agosto de 2020. Ver mais em: G1, Datafolha: 46% dos brasileiros dizem ter tido redução na renda familiar por causa da pandemia , 20/08/2020.
- IBGE, setembro de 2020. Ver mais em: IG, IBGE: Impacto da crise é maior para pequena empresa; 277 mil demitiram em agosto , 15/09/2020