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A visão das Mulheres Afrolatinas para o futuro das democracias

Afinal, qual a visão das mulheres afrolatinas para o futuro da democracia?

De pronto, podemos responder à pergunta do título dizendo que trata-se de uma visão que vislumbra um futuro de superação e reparação do racismo e da violência de gênero estrutural que hoje são comuns às experiências das mulheres afrolatinas que aventuram-se na política institucional no México, Colômbia e Brasil.

Este é o principal ensinamento que Mijane Jiménez, Chá Dorina Hernández e Laina Crisóstomo nos presentearam durante o primeiro encontro virtual do Projeto “DIÁLOGOS POR +REPRESENTATIVIDADE”.

Estas são mulheres que têm um papel muito importante na luta pela garantia de direitos e na proteção da democracia, uma vez que não estão apenas esperançando este futuro, mas arregaçando as mangas e, de forma coletiva, criando as condições para mudar os sistemas patriarcais, colonialistas e ultrapassados nos três países. 

Democracias incompletas 

“Com o racismo não há democracia”, lembrou a vereadora do mandato coletivo “Pretas por Salvador” Laina Crisóstomo (PSOL-BA). Segundo ela, mulheres afrolatinas transformam o debate político porque partem de uma narrativa que reconhece a incompletude das democracias e que trabalha efetivamente para dar condições de acesso à cidadania para as pessoas que mais sofrem com as desigualdades e opressões. 

 “Não somos mais o sujeito que é estranho à opressão, pelo contrário. Quando falamos de violência obstétrica, mortalidade materna, extermínio da juventude negra, estamos falando da nossa história e da história das nossas”, Laina Crisóstomo (PSOL-BA).

Este reconhecimento também foi apontado pela primeira parlamentar quilombola da Colômbia, Chá Dorina Hernández. “Aqui não funciona uma democracia. Aqui funciona todo um aparato a serviço de umas poucas famílias”, pontuou. 

Transformar estas democracias demanda a garantia de direitos, de conscientização política e de um projeto compartilhado de mais representatividade. “É preciso ter direitos e é preciso se reconhecer nas políticas públicas”, definiu Laina. 

“Creio que a democracia está vivendo uma crise”, afirmou a ativista mexicana Mijane Jiménez. Isso ocorre porque há um flagrante contexto de insegurança para o exercício político de mulheres no México com altos índices de feminicídio e pouco investimento partidário para concretizar a paridade.

Mijane também pontuou a polarização no contexto mexicano e o uso de notícias falsas (fake news) para desmobilizar a conscientização das pessoas. “Isso faz com que pessoas de boa-fé não se vejam representadas na política. E isso vem permeando a democracia no México”, resumiu.

Persistência da violência política de gênero

Mijane Jimenéz foi candidata em 2021 e isso, infelizmente, permitiu ter a completa noção do cenário de violência política de gênero. Para além dos feminicídios políticos que marcaram o processo eleitoral mexicano daquele ano, Mijane aponta outras manifestações violentas:

  • Desigualdade de condições econômicas para as candidaturas de mulheres em comparação com a de homens representando uma violência política exercida pelo Estado;
  • Mulheres privilegiadas e beneficiadas pela institucionalidade contribuem para a tomada de decisões que não favorecem as mulheres que estão na base criando rupturas e desconfiança entre as próprias mulheres;
  • Quando a mulher decide se candidatar, sofre violência política de gênero dos próprios familiares que tentam demovê-las de sua inspiração política;
  • Divisão sexual do trabalho que naturaliza a sobrecarga de trabalho não remunerado no ambiente doméstico e que demanda uma Política Nacional de Cuidados;
  • Falta de apoio e perseguição às mulheres ativistas no interior dos ambientes partidários.
 “O machismo e o patriarcado afetam as aspirações e a  normalização da carga de trabalho que se tem como mulher. Poder ser candidata é um privilégio para muitas de nós porque não há um sistema de cuidados que permita uma rede de apoio que cuide dos filhos para que você busque sua candidatura. Começa aí a violência política de gênero”, Mijane Jimenéz (MX).

Além de Mijane, os relatos de Laina e Dorina demonstraram que os contextos de violência política de gênero são semelhantes em toda a América Latina. Chá Dorina destacou os episódios sistemáticos de racismo e de ameaças a que a vice-presidenta da Colômbia, Francia Marquez, é vítima cotidianamente desde o anúncio de que seria candidata a vice junto a Gustavo Petro em 2022.

Até então, Francia era tratada como carta fora do baralho pela institucionalidade política e midiática do país. “Diziam que ela não tinha chances. Depois que ela se tornou candidata à vice-presidência começaram os ataques racistas, à forma como ela se vestia, como falava. Diziam que ela se parecia com um animal”, relatou Dorina.

Representatividade como projeto político

Dados do Núcleo de Estudos Raciais do Insper apontaram que mulheres têm até 35% menos chances de se envolverem em casos de corrupção do que homens. Além disso, líderes negros propõem três vezes mais leis e políticas públicas dedicadas à inclusão do que os não negros.

Para Laina Crisóstomo isso ocorre porque mulheres negras falam e atuam sob aquilo que vivem. “A gente vive a falta de luz, a gente vive a falta de água, a gente viveu a falta de internet na pandemia e segue vivendo as dificuldades. A gente vê as balas perdidas nos nossos vizinhos”, exemplificou.

Para transformar essa representatividade em um projeto político, as alianças transnacionais foram apontadas como estratégia importante de organização e troca de experiências. Mijane defendeu a articulação de uma “grande coalizão global de mulheres fazendo política” e Chá Dorina disse ter esperança naquilo que ela chamou de “relacionamento da diáspora”.

Em outras palavras, entender que a democracia do futuro partirá das mulheres afrolatinas que, a cada dia, conquistam mais e mais pessoas para a luta. Afinal, como bem pontuou Laina Crisóstomo, “investir em mulheres é a única alternativa para o Estado dar certo”. 

Assista ao encontro completo:

Dandara Lima é jornalista, especialista em marketing digital eleitoral e mestranda em Poder e Processos Comunicacionais (PPGCOM/UnB). Participou da co-criação da Plataforma Impulsa, em 2020 e, de 2018 a 2022, atuou em diversos outros projetos de inovação democrática e pela inclusão de mulheres na política. Atualmente é coordenadora de redes sociais no Ministério das Mulheres. 

Im.pulsa

Plataforma aberta e gratuita para inspirar, treinar e conectar mulheres, auxiliando-as a superar desafios políticos e produzir campanhas vencedoras. Oferece formação política para mulheres por meio de produtos práticos com linguagem acessível e afetiva. A Im.pulsa é feita por e para mulheres.