Pode parecer muito cedo começar a pensar em uma candidatura coletiva para 2022 desde agora, mas acredite, não é! Fazer uma candidatura coletiva real, com propósito, cocandidatas fortes e atuantes dentro de uma composição bem estruturada, será tão mais potente na medida que você começar a trabalhar antes nesse projeto político. Vale ter em mente: não é simples montar uma verdadeira candidatura coletiva.
As candidaturas coletivas sob esse modelo de divisão de poderes entre as cocandidatas que compõe uma chapa veio pra ficar. Estudos e pesquisas têm mostrado como esse tipo de candidatura vem aumentando em quantidade e territorialidade a cada nova eleição. Em 2021, por exemplo, serão dois mandatos coletivos1 na Câmara Municipal apenas na cidade de São Paulo, eleitos de forma expressiva em relação a quantidade de votos conquistados – de 27 candidaturas registradas2 nesse formato.
Como as próximas eleições são estaduais, esse material da Bancada Ativista pode ser uma ótima referência para você começar esse projeto desde já. Aqui, na plataforma da Im.pulsa, reproduzimos trechos mais gerais sobre o tema encontrados nesse material. As aplicações práticas dos conceitos e as formas utilizadas pela Bancada Ativista você encontrará no material completo. (ver ao final desse conteúdo)
O que é uma candidatura coletiva?
Na política estamos acostumados a ver apenas os candidatos: aquela pessoa que apresenta suas ideias e pede sua confiança e seu voto. Por mais legítima e importante que seja a perspectiva de qualquer indivíduo se postular como candidato, um dos efeitos dessa dinâmica é individualização da política e a cultura do salvador da pátria ‒ aquela pessoa que, se eleita, vai resolver todos os nossos problemas.
Entretanto, por trás da figura do candidato existe um time inteiro de pessoas que trabalham incansavelmente para tornar uma candidatura viável. A ideia de publicizar o coletivo por trás de uma candidatura deu origem ao termo candidatura coletiva ‒ um termo que vem sendo usado no campo progressista há muitos anos para afirmar a existência da coletividade por trás da figura do candidato.
Porém, é importante evidenciar que existem outros usos do termo “candidatura coletiva”, que se popularizaram em eleições recentes, principalmente associadas a divisão de poderes entre várias pessoas que compõem uma chapa. Em alguns casos, trata-se de horizontalidade superficial e, por vezes, até mesmo enganosa, sem qualquer divisão de poder real entre a pessoa que de fato é candidata e as pessoas que compõem a chapa. Em outros casos, há algum nível de divisão de poderes entre as pessoas envolvidas, mas uma dessas pessoas se destaca como figura principal e tem a palavra final nas tomadas de decisão, com os demais participantes sendo mais coadjuvantes do que protagonistas. Por fim, há casos em que todas as pessoas apresentadas como parte da candidatura coletiva têm o mesmo nível de protagonismo. Este é o formato que a Bancada Ativista escolheu e que parece desafiar mais profundamente as formas tradicionais de fazer política.
Uma candidatura coletiva, vale registrar, é a etapa anterior ao mandato coletivo. Por isso, é muito importante conseguir correlacionar sempre a candidatura com o mandato, apresentando possibilidades concretas ao eleitorado.
Por que uma candidatura coletiva?
Antes de tudo, é importante dizer que construir uma candidatura e, especialmente, um mandato coletivo não é fácil. Se já pode ser complicado decidir onde almoçar em várias pessoas, imagina decidir estratégias, narrativas e práticas políticas em coletividade nos contextos tensos de uma eleição ou do dia a dia de uma casa legislativa.
Ainda assim, por apresentar o potencial de somar votos de diversas pessoas que não seriam eleitas sozinhas, a candidatura coletiva vem se apresentando como uma potente fórmula para novos nomes, especialmente, aqueles que não contam com muitos recursos financeiros para investir na campanha.
Após o êxito de campanhas como a da Bancada Ativista em 2018, é possível destacar as principais vantagens desse formato, que são:
- Despersonalização da liderança política não só como narrativa, mas como prática. Quando radicalizada em sua proposta, uma candidatura coletiva evidencia mais figuras públicas como corresponsáveis e acaba conquistando pessoas que tradicionalmente são desconfiadas de políticos que se apresentam como salvadores solitários.
- Legitimidade com diferentes grupos, territórios e temas sociais. Uma pessoa sozinha, por mais que dialogue com muitos grupos e temas, nunca conseguirá ter legitimidade em todos eles. Já em grupo, é possível ter representantes legítimos de múltiplos recortes sociais e agendas, o que por consequência gera uma aproximação de públicos distintos para uma mesma campanha.
- Otimização da agenda de uma campanha eleitoral. Uma candidatura composta por mais de uma pessoa pode participar de diversos eventos que acontecem ao mesmo tempo. Na prática, isso gera uma potência na campanha eleitoral quando comparada a de um candidato tradicional.
- Experimentação no campo da política. Se não houver experimentos, nunca haverá mudanças. Para fortalecer e aprofundar a democracia, é importante testar novas formas de gestão, formulação e execução na política ‒ e aprender com seus acertos e erros. Candidaturas coletivas são um exemplo disso, ajudando especialmente a enfrentar desigualdades por abrir mais espaço para quem tem menos recursos financeiros.
Apesar do potencial eleitoral deste formato de candidatura, é recomendado que a opção pela mesma seja uma estratégia muito consciente, baseada não apenas em cálculos eleitorais, mas na vontade de inovar na forma de fazer política. Se exitosa, a campanha se tornará um mandato colaborativo com 4 anos de trabalho pela frente ‒ período muito mais longo que de uma campanha, o que vai exigir muita dedicação e resiliência dos seus participantes. Se uma candidatura coletiva genuína já é desafiadora, uma fake tem chances muito maiores de dar errado.
Montando a candidatura coletiva
Segue abaixo uma sugestão de passos a serem seguidos para se estruturar uma candidatura coletiva.
- Estudo da composição de um gabinete. A candidatura, se eleita, se tornará um mandato ‒ e é importante combinar antecipadamente como a composição do gabinete se dará. O primeiro passo para isso é descobrir quantas pessoas compõem a equipe de um gabinete na casa legislativa para a qual vocês buscam ser eleitos, entender se as vagas disponíveis para gabinetes são limitadas a perfis profissionais específicos ou se são livres para contratar pessoas com outras qualificações, e, ainda, quais outros critérios ou pré-requisitos formais existem para contratações caso existam. Essas informações são essenciais para determinar o tamanho da chapa e a quantidade de pessoas do tipo ‘figuras públicas’ que farão parte da candidatura ‒ se um gabinete só tiver cinco vagas, por exemplo, uma candidatura coletiva com mais de cinco pessoas não permitirá que todas sejam contratadas caso eleitas. Na campanha, vale compartilhar esse aprendizado com o público em geral, além de apresentar onde as cocandidatas se encaixam e como atuarão na prática caso eleitas. Porque as pessoas desconhecem como funciona a vida parlamentar e questionam muito as garantias de execução da proposta.
- Definição do perfil da candidatura coletiva. Aqui estamos falando da sua identidade, das principais bandeiras, em que características será ou não será diversa, se o seu foco será temático ou territorial etc. Parte dos detalhes só serão definidos quando o grupo de cocandidatas já estiver consolidado, mas é importante começar a pensar nisso desde que a ideia de uma candidatura coletiva surgir. Ter uma noção clara de qual o papel dentro do jogo político que se quer com a candidatura e o porquê é bastante estruturante para envolver pessoas e fazer uma construção coletiva sólida. Aqui, um ponto importante de reflexão tem a ver com a trajetória política das pessoas a serem envolvidas: a chance de conflito é maior se a candidatura tentar juntar pessoas de partidos ou correntes partidárias diferentes, ou se tentar juntar pessoas com formas de atuação política diferentes (ex.: uma candidatura coletiva que misture membros de movimento social de base e pessoas que vem do mundo das ONGs tende gerar debates mais complexos do que se fosse composta apenas por pessoas de um desses dois universos).
- Construção de mapa de atores. Fazer um levantamento livre de possíveis nomes para compor ou apoiar a chapa é um exercício superinteressante. Também vale a pena pensar em outras possíveis candidaturas com quem se disputaria votos. Cada nome trazido levantado gera reflexões profundas sobre o que essa pessoa representa, com quem ela dialoga e suas potencialidades dentro do universo da política institucional. Um mapa bem feito ajuda muito na construção de boas articulações para transformar os planos em realidade.
- Convite para compor a candidatura coletiva. Caso o grupo de cocandidatos não esteja fechado desde o início, e haja interesse em envolver mais gente, é importante separar bastante tempo para apresentar a ideia a novas pessoas, entender se haveria interesse em participar, e construir as condições para que essas pessoas se tornem parte do processo tanto quanto todas as demais. Mesmo que ao final não haja interesse dessas pessoas em participarem da cocandidatura, vale estender o convite para participarem e apoiarem a construção de outras formas.
- Acordos pré-campanha. Quanto mais atenção for colocada na construção de acordos cuidadosos e detalhados antes de colocar a candidatura coletiva na rua, maiores serão as chances de dar certo. Essa é uma etapa tão essencial que há uma seção apenas sobre isso adiante.
- Definição do nome na urna. Candidaturas coletivas ainda não são previstas em lei, nem reconhecidas pelo TSE ‒ ou seja, não são nem proibidas, nem explicitamente permitidas. Por esse motivos, é preciso escolher uma pessoa para assumir legalmente o papel de candidata, que também será oficialmente a parlamentar se a candidatura for eleita. O processo de definição desse nome também é tão importante que há uma seção apenas sobre isso adiante.
- Desenho das pautas e propostas. Para concluir a estruturação da candidatura, é preciso definir quais pautas e propostas serão defendidas. Pode ter diversos formatos: um programa, uma apresentação de princípios e valores, uma lista das agendas prioritárias, ou uma apresentação dos membros que compõem a candidatura coletiva e os temas em que trabalharam ao longo de suas vidas. O importante é ser um formato que represente bem o grupo, que não cause discordâncias e que seja palatável ao público geral ou a um público específico, conforme o perfil do eleitorado que se pretende alcançar. Vale destacar que poucas pessoas escolhem os seus candidatos a partir da análise detalhada de propostas ‒ então, recomendamos limitar-se a pontos essenciais de forma bem resumida, de modo que seja simples apresentar por aí.
O nome na urna de uma candidatura coletiva
Como mencionado anteriormente, candidaturas coletivas ainda não são previstas em lei, nem reconhecidas pelo TSE. Ou seja, não são nem proibidas, nem explicitamente permitidas.
Porém, a lei é clara em determinar que o nome na urna precisa ser de uma pessoa específica: enquanto toda a construção política e narrativa pode ser coletiva, só uma das pessoas envolvidas será a representante oficial da candidatura ‒ registrando-se formalmente como candidata, aparecendo na urna e, em caso de sucesso das eleições, se tornando legalmente a parlamentar. As demais pessoas envolvidas podem ter o mesmo protagonismo na construção e trabalhar no mandato contratadas como assessoras, mas, aos olhos da lei, só uma delas pode desempenhar oficialmente o papel de candidata e representante eleita.
Assim, as responsabilidades de quem assume esse papel acabam sendo maiores que as do resto do grupo. Por um lado, essa pessoa fica com os riscos de uma possível prestação de contas erradas e de problemas com a quitação eleitoral, que podem gerar problemas como a impossibilidade de lançar nova candidatura ou assumir qualquer cargo público. Por outro lado, ela terá alguns poderes formais que as demais não terão (incluindo a possibilidade de tomar para si o mandato eleito caso haja vitória nas urnas) e, provavelmente, também aparecerá com mais destaque na mídia.
Isso torna muito importante o processo de definição do seu nome. Em primeiro lugar, é importante haver total confiança entre membros do grupo e total clareza nos acordos para evitar surpresas. Além disso, já que essa pessoa, provavelmente, atuará sozinha nas sessões parlamentares e em outros espaços formais onde o acesso for restrito, é importante levar em consideração habilidades pessoais como retórica, articulação e formulação política. Vale também considerar a relação com o partido político pelo qual a candidatura será lançada, que idealmente deve ser bastante consolidada (essa pessoa precisará estar filiada ao partido para concorrer). E é relevante avaliar a representatividade de seu perfil, suas redes de apoio, o perfil e alcance nas redes sociais. Acima de tudo, precisa ser uma pessoa profundamente comprometida com o projeto político da candidatura, já que é a única que não poderá abandonar o barco depois das eleições em hipótese alguma ‒ senão todo o coletivo perde o mandato conquistado.
O contexto local pode e deve ser um elemento considerado para a definição desse nome. Em tempos de inovação política com novos corpos, vozes e visão de mundo, escolher o representante a partir da carência de representantes de determinados recortes sociais pode ser um grande ativo. Leia-se carência como ausência de representação proporcional de um determinado grupo nos espaços de poder institucionais. O recorte pode ser de gênero (mulheres), raça (negros e indígenas), orientação sexual e idendidade de gênero (representantes LGBTQIA+), pauta (meio ambiente, cultura etc.) ou território (periferias). É preciso identificar no grupo quais as principais identidades e bandeiras, fazer um cruzamento com a realidade local e suas demandas, e usar isso para ajudar a definir quem estará na urna como representante formal da candidatura.
Falando literalmente sobre o nome que aparece escrito na urna, a lei determina que seja um nome pelo qual é conhecida a pessoa oficialmente candidata. A foto na urna também deve ser apenas dessa pessoa. Ou seja, enquanto Francisco Everardo Oliveira Silva pode aparecer como Tiririca, nós não pudemos apresentar Monica Seixas como Bancada Ativista, e nem usar uma foto coletiva. Por conta disso, escolhemos o nome Monica da Bancada Ativista. O risco de não seguir essas determinações legais e tentar usar um nome e uma foto que se refiram à coletividade (e não a uma pessoa específica) é que o Tribunal Regional Eleitoral pode te obrigar a fazer uma mudança no meio da campanha eleitoral. Se isso acontecer, as consequências para esforços de comunicação podem ser sérias ‒ tudo precisará ser mudado, arriscando gerar despesas e confundir eleitores. Vale destacar que esse é um tema ainda em disputa, e debates em torno dele se intensificaram nas eleições de 2020. Por um lado, algumas candidaturas buscaram usar na urna apenas o nome de sua coletividade, e muitos defendem que isso passe a ser explicitamente aceito na legislação eleitoral. Por outro lado, também houve reveses na Justiça com base na lei atual – sendo o caso mais grave o da Orientação Normativa número 2 aprovada pelo TRE de Pernambuco, que proibiu o uso de qualquer expressão no nome na urna sugerindo ao eleitor que o mandato será exercido coletivamente. Nas próximas eleições, precisaremos continuar lutando pelo direito de nos apresentarmos coletivamente.
Burocracias importantes em torno do nome na urna
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