Mulheres lésbicas na política – “Somos e seremos cada vez mais necessárias” – afirma Mônica Benício
29 de agosto de 2022
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Ser mulher na política ainda é um grande desafio. Ser mulher lésbica na política é a soma de violências, silecionamentos e desrepeitos. Mas, é também a soma de lutas, diálogos e vivências que representam muitas de nós.
Para uma democracia forte e representativa, que trabalhe pela melhoria de vida de todas as pessoas, não podemos abrir mão da diversidade. Precisamos construir políticas com um olhar interseccional, somando raça, gênero, classe, orientação sexual e muitas outras categorias que nos atravessam na vida em sociedade.
Precisamos de mulheres lésbicas na política!
No Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, 29 de agosto, conversamos com Mônica Benício, a única vereadora assumidamente lésbica da cidade do Rio de Janeiro para entender suas lutas e desafios na política.
Como ser uma mulher lésbica atravessa o seu lugar na política?
Todo corpo é um corpo político. O corpo de uma mulher lésbica não foge a está regra. Sempre estive atravessada pela política, na minha casa com minha família; na favela da Maré, onde nasci e me criei; na PUC-Rio, onde me formei na graduação e mestrado; no casamento com minha companheira Marielle e; hoje, sendo vereadora na Cidade do Rio de Janeiro.
Em todos estes lugares por onde estive, a complexidade de viver a vida sendo uma mulher lésbica se fez presente. Mas sem sombra de dúvidas, é hoje no legislativo carioca, o maior desafio. Sua estrutura, seu funcionamento, sua ética e moral e os componentes deste colegiado são historicamente conservadores e hostis às mulheres e, em especial, às mulheres lésbicas.
Na Câmara Municipal são inúmeras as demonstrações de hostilidade, mas vou elencar dois exemplos: não há uma única vez que eu faça uso da tribuna para discutir um projeto, para fazer uma questão de ordem ou pronunciamento, onde a indiferença, deselegância e machismo não se façam presente. As interrupções, as conversas e risadas e o desprezo pelo conteúdo transmitido por uma mulher lésbica é notório e vexatório. Outro exemplo, deixa o cenário ainda mais nítido: em 2017 Marielle apresentou um Projeto de Lei – PL que inclui no calendário da Cidade o Dia da Visibilidade Lésbica, e este projeto foi derrotado em plenário por dois votos. Em 2021, reapresentei o projeto e novamente foi reprovado por dois votos. A discussão em torno do projeto mobiliza os machismos mais retrógrados uma vez que os argumentos chegam a insinuar que o PL é para incentivar crianças a serem lésbicas. Mas esta mesma Casa já incluiu no calendário da cidade o dia da pipa, do pão francês… Não existe prova maior do caráter LGBTfóbico desta Casa. É lamentável.
“Somos e seremos cada vez mais necessárias para a construção de um mundo mais justo e igualitário. Não apenas pela necessária representatividade, mas pelas nossas vidas e pela nossa dignidade.”
Quais têm sido as suas principais bandeiras e propostas enquanto vereadora?
Sem sombra de dúvidas, a formulação de políticas públicas para as mulheres e para a população LGBTIA+ são os vértices estruturantes de nossa atuação. Mas atuamos em pautas também no campo dos Direitos Humanos, de políticas de combate ao racismo estrutural, e voltadas para a cidade, a cultura e o bem viver. Apresentamos importantes Projetos de Lei relacionados a todas essas questões e levamos os debates fundamentais para o plenário que, muito conservador, precisa enfrentá-los de frente.
Alguns projetos aprovados são históricos. O programa de combate ao feminicídio é um deles. Mulheres, incluindo mulheres trans e travestis terão acesso a toda uma gama de ações que enfrentam o feminicídio que é muito grave na cidade. Virou lei e agora estamos trabalhando para que seja implementado.
Qual a interlocução da mandata com movimentos e organizações LGBTQAIP+?
Nossa interlocução com os movimentos sociais é orgânica, mas sempre respeitando sua autonomia e auto-organização. É em diálogo com os movimentos sociais que construímos nossas proposições legislativas, nossas atividades e nossa intervenção no plenário da Câmara de Vereadores.
Um exemplo desta relação orgânica é o conjunto de atividades que estamos realizando. “Do Orgulho à Visibilidade Lésbica” são 10 dias de ação sapatão, que começou no dia 19 – que é o dia do Orgulho Lésbico – com a entrega da Medalha Chiquinha Gonzaga para Zélia Duncan; passou pela entrega de moção ao Bar da Fatinha em Santa Teresa, reduto da população LGBTIA+; teve a abertura da exposição Mulheres do Tijolinho da fotógrafa lésbica da Maré Kamila Camillo e o Baile do Brejo, com o Grupo Só Damas na Garagem Delas e; terminará no dia 29 com nossa participação no Ocupa Sapatão.
Como articular políticas para uma sigla tão diversa?
É difícil, porque essa diversidade traz toda uma complexidade e especificidades em suas demandas, mas desde o princípio reforçamos a importância de estarmos atentas às necessidades de cada grupo, mas trazendo para o espectro geral da população LGBTIA+. De acordo com as demandas, elaboramos programas e projetos de leis separadamente para cada sigla, ou incorporamos as necessidades em uma mesma linha, se for o caso.
Juntos com pesquisadoras, movimentos e profissionais da saúde, estamos em fase de elaboração de um Programa Municipal de Saúde para a População LGBTIA+, que irá incorporar todas as especificidades da sigla.
É possível falar de vitórias, nos últimos anos, na construção de políticas públicas para mulheres lésbicas na cidade do Rio de Janeiro? E no Brasil?
Com a eleição da Marielle em 2016, a cidade do Rio passou a ter uma representante lésbica na Câmara de Vereadores e, mesmo tendo o seu mandato interrompido de forma bárbara, ela deixou um legado objetivo e simbólico.
Objetivo porque incluiu na agenda da luta política da cidade, a necessidade de tornar visíveis as demandas e pautas das mulheres lésbicas. Lutando para que suas vidas sejam preservadas e seus amores vividos sem risco. E simbólica porque é inspiração para uma geração que, empolgada com sua eleição em 2016 e impactada com seu brutal assassinato em 2018, forjou-se na alegria e na dor. Essa geração, produz hoje uma série de ações de visibilidade para as lésbicas. No Brasil não foi diferente. E Marielle é inspiração para as lésbicas para muito além das fronteiras do país.
Com isso, não estou dizendo que houveram grandes vitórias. Mas é inegável que houve um acúmulo político das lutas e das pautas lésbicas. Esse acúmulo me inspirou a trilhar o caminho de uma disputa institucional, e aqui estou eu, sendo a única vereadora lésbica da cidade do Rio. Com a responsabilidade de representar todo o acúmulo histórico das lésbicas e criar as interseções necessárias com as novas gerações.
Quais os principais desafios que você enfrentou como candidata e como mandatária por ser uma mulher lésbica?
O primiero desafio de uma mulher lésbica ao disputar a institucionalidade, e ao entrar nela, é romper a barreira dentro da própria representatividade LGBTIA+. Na imensa maioria das vezes, os representantes LGBTIA+, nos espaço ditos de poder, são homens gays, o que é resultado do machismo estrutural de nossa sociedade. Nesse sentido, desde a campanha a gente reforçou a importância de que a população LGBTIA+ estivesse representada em todas as suas siglas, e em especial as mulheres, historicamente muito mal representadas.
Além desta barreira, enfrentar a lesbofobia neste espaço é sempre um desafio seja, nos partidos ou nas Casas Legislativas, que são reflexo de uma sociedade LGBTfóbica, que insiste em desqualificar mulheres, principalmente LBTs, com base numa moral construída a partir de uma ideia de família que há muito tempo já se transformou. Machismo somado à Lesbofobia é uma fórmula muito perversa e perigosa, mas infelizmente ainda muito comum. Meu trabalho e dedicação de vida é mudar essa realidade
“Ter mais lésbicas, trans e travestis na política é aperfeiçoar e equilibrar nossa democracia representativa.”
Por que precisamos de mais mulheres lésbicas, trans e travestis na política?
Ter mais lésbicas, trans e travestis na política é aperfeiçoar e equilibrar nossa democracia representativa. A política brasileira jamais conseguirá consolidar sua democracia enquanto a população LGBTIA+, as mulheres e negros e negras, estiverem subrepresentadas nas Casas Legislativas, no Judiciário, nas Universidades e no Executivo.
Ter mais mulheres, LGBTIA+, negros e negras na política é uma urgência democrática do país. Sem nós não existe democracia plena.
Essa representatividade, passa também não só pela nossa identidade de gênero e pela forma como ocupamos os espaços, mas pela forma como colocamos nossas ideias. Nosso corpo é ferramenta política e deve estar a serviço das transformações de ideias. As ideias transformam nossos corpos e nosso jeito de transitar nas cidades, em como ocupamos os espaços e agimos no mundo.
O que você diria para outras mulheres lésbicas que querem ocupar a política institucional?
Que tenham a esperança do esperançar que nos ensina Paulo Freire. A esperança da ação transformadora. Em tempo de ódio é preciso que mantenham a coluna ereta, a cabeça fria e o coração quente. Não é fácil, não vai ser fácil, mas pra nós mulheres lésbica nunca foi.
Somos e seremos cada vez mais necessárias para a construção de um mundo mais justo e igualitário. Não apenas pela necessária representatividade, mas pelas nossas vidas e pela nossa dignidade. Não sairemos da invisibilidade pedindo licença, teremos que romper as barreiras do preconceito, da LGBTfobia e do machismo, que só será possível com luta, criatividade e afeto.
Eu não peço licença pra passar, eu passo. Não podemos mais aceitar a lesbofobia, nossa dignidade e bem viver para mim são inegociáveis.
“Quero uma política brasileira onde a violência e a truculência, deem lugar à empatia e à compaixão.”
Qual o seu sonho para a política brasileira?
São tantos…
Vou começar pelo mais urgente: derrotar Bolsonaro e o bolsonarismo. Quero também uma política brasileira livre do machismo, do racismo e da LGBTfobia. Quero uma política brasileira onde a violência e a truculência, deem lugar à empatia e à compaixão. Quero uma política brasileira que caminhe para uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna.
Mas sonho mesmo, eu tenho de ver as investigações dos assassinatos da Marielle e do Anderson sendo resolvidas. Que os mandantes e as motivações sejam revelados e todos os envolvidos devidamente responsabilizados pela barbárie que cometeram. Não dá para falar de democracia no Brasil sem essas respostas. Precisamos de justiça por Marielle e Anderson para mudarmos a política no Brasil.
danyelle
Dany Fioravanti é comunicadora - ativista e periférica - com 14 anos de experiência em causas como desigualdade, gênero e diversidades, educação ambiental e participação política. Trabalhou em projetos sociais no Brasil e no Equador. Foi Assessora Especial de Comunicação da Secretaria de Políticas e Promoção da Mulher da Cidade do Rio e, atualmente coordena a Im.pulsa. Dany também é Especialista em Políticas do Cuidado com perspectiva de gênero pelo CLACSO.
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