Seja eleita com propostas para o futuro da sua cidade
Emprego e desenvolvimento
Como retomar a atividade econômica pensando no futuro.
Estamos diante de um momento crucial da história das cidades brasileiras. Mergulhadas num colapso econômico, social e ambiental, elas precisam se reerguer, com urgência. Mas essa necessidade pode ser vista também como uma grande oportunidade de desenvolvimento. Os prefeitos e vereadores que forem eleitos em 2020 devem ter a responsabilidade de posicionar nossas cidades para o futuro, encaixando-as no novo modelo de desenvolvimento, que faça um uso racional dos seus recursos e seja resiliente para enfrentar os desafios que nos aguardam, que não são poucos.
Confira o material
Metade dos brasileiros teve uma perda de renda durante uma pandemia, e o baque está sendo maior nas famílias que possuem até dois preços por mês1. Entre as empresas, as menores são as mais duramente afetadas2. Ao mesmo tempo, a crise climática está se intensificando rapidamente, com um aumento na incidência e na intensidade de desastres – inundações, deslizamentos, secas, fumaça de incêndios. Essas duas grandes crises só têm solução real se juntas forem abordadas. O trabalho de adequar as cidades às novas realidades do clima tem que ser o impulso que vai empurrá-las para fora da crise econômica, gerando empregos e provedores de recursos financeiros.
Cidades que fizerem isso vão se posicionar para receber investimentos internacionais, de empresas, governos, organizações supranacionais e do terceiro setor – fundamentais em tempos de crise fiscal no Brasil. Cada vez mais, o acesso a esses recursos será condicionado a ter projetos que levem em conta as mudanças climáticas e ajudem a reduzir seus efeitos destrutivos.
É hora das cidades identificarem seus recursos subutilizados e criar cadeias proporcionadas por eles, pensando no desenvolvimento . Um bom lugar para procurar é no lixo: todas as cidades brasileiras descartam materiais valiosos, desperdiçando potencializar. Outro caminho é incentivar a descentralização da atividade econômica, espalhando oportunidades por todo o território.
Os desafios são imensos e uma gestão comprometida com a mudança. É preciso se antecipar aos desastres possíveis, garantindo uma resposta rápida nos momentos de crise. Uma gestão resiliente é aquela que tem visão de longo prazo, criatividade, organização e compromisso com a promoção da qualidade de vida, a superação de desigualdades históricas, a restauração dos ecossistemas destruídos e a recuperação da eficiência na gestão pública. É hora de pensar no desenvolvimento integral da cidade, olhando para os pilares que escolha o indivíduo, a comunidade, o ecossistema e a governança. Seguindo esse caminho, é possível não apenas superar uma crise imediata, mas também deixar um legado permanente.
Emprego e renda
É URGENTE criar infraestrutura para fomentar o empreendedorismo, a economia local e o trabalho remoto. É o que a cidade de São Paulo está tentando fazer com o projeto Teia , uma rede de co-workings públicos e gratuito, que oferece orientação, equipamento, espaço e limites para o trabalho dividido. A ideia é atrair os talentos de cada região, e conectar-se às necessidades, criar redes locais de empreendedores, e diminuir a necessidade de tantos deslocamentos.
É NECESSÁRIO empregar muita gente na reconstrução. Ao longo dos próximos anos, as cidades precisarão de uma grande força de trabalho empregada no processo de transição para o futuro. A recuperação de edifícios no centro para moradia, o plano nacional de saneamento, a regeneração florestal das margens dos rios, a instalação de infraestrutura para captar energia solar e a adaptação das cidades aos efeitos da mudança climática são exemplos de projetos protegidos, que beneficiário a todos , e que têm enorme potencial de geração de empregos e formar mão de obra.
UM DESAFIO: O Estado brasileiro está quebrado . Mas não desanime: há dinheiro em outros lugares. Em 2021, vai começar o esforço global para finalmente acelerar a transição para uma economia de baixo carbono, a partir da reconstrução pós-pandemia. As cidades que se alinharem com esse objetivo vão poder buscar recursos nos lugares mais diversos: da ONU às corporações multinacionais de Davos, da OCDE ao Banco Mundial, dos grandes bancos privados brasileiros às fundações dos maiores bilionários do mundo, como George Soros e Bill Gates.
UMA IDEIA: aposte no empreendedorismo feminino. Programas locais para incubar e impulsionar projetos de mulheres são importantes para reduzir a desigualdade de gênero no mercado de trabalho e podem fazer milagres para reanimar comunidades inteiras.
Economia circular
É URGENTE fechar os ciclos da cidade, para parar de desperdiçar recursos e acumular resíduos acumulares. Costumávamos pensar nas cidades de maneira linear: recursos entram, resíduos saem. Esse pensamento foi um dos fatores que nos trouxeram a esta crise. Para que a reconstrução seja possível, será necessária uma nova lógica circular, na qual todos os resíduos são transformados em insumos de novo, economizando recursos e tornando a produção mais local, inclusiva e sustentável. O trabalho do gestor público é zelar pelo bom funcionamento do metabolismo da cidade no longo prazo: a circulação saudável dos recursos que alimentam seus processos. Um bom exemplo é o de Amsterdã, que está gerando centenas de novos postos de trabalho recuperando resíduos sólidos da cidade e transformando em material para a construção civil.
É NECESSÁRIO identificar os recursos abundantes de cada cidade. Nova York criou o programa doeNYC, uma iniciativa para facilitar a doação e redistribuição de materiais através de uma plataforma online de trocas. A iniciativa é voltada tanto para residentes quanto para empreendedores da cidade – gente que quer criar uma empresa a partir dos resíduos. Outro exemplo inspirador é o ReTuna Aterbrucksgalleria, um centro comercial criado por uma empresa da prefeitura, que vende apenas produtos recuperados do lixo, reusados, remanufaturados, consertados ou reciclados. O shopping é vizinho ao centro de processamento de resíduos da cidade.
UM DESAFIO: todos os nossos sistemas foram concebidos numa lógica linear. A mudança para a economia circular vai exigir muita paciência para reinventar o modo de fazermos basicamente todas as coisas.
UMA IDEIA: conectar as escolas públicas com a economia circular. As escolas já têm um papel central no engajamento das crianças na reciclagem, mas é possível avançar mais, envolvendo crianças, jovens e famílias em projetos de empreendedorismo que busquem soluções para o reaproveitamento de resíduos. Uma escola municipal no Mato Grosso do Sul têm aplicada uma metodologia do Sebrae para uma educação empreendedora, e os alunos criam negócios sustentáveis para a venda de produtos como brinquedos ecológicos, mudas de plantas, ervas aromáticas e artesanato, ou de serviços, como locação de livros.
IMAGINE O DIA EM QUE a vida de cada bairro sustente uma economia vibrante e cheia de oportunidades por lá mesmo. Imagine que muitas dessas oportunidades podem estar no trabalho de transformados em recursos, acabando com os desperdícios e criando valor onde antes só havia lixo.
NÃO ESQUEÇA
Não adianta tentar reaquecer a economia das cidades investindo os escassos recursos num modelo predatório, que já não tinha futuro. O futuro dos investimentos e dos empregos é verde, ee apostar nessa chave é essencial para uma recuperação econômica que se sustente. Cada real gasto na reconstrução da economia pós-pandemia precisa ao mesmo tempo ajudar a criar as bases para uma nova economia, resiliente e sustentável, que pense no longo prazo. Quanto mais cedo ocorrer essa transição, será possível ocorrer mais cedo da crise e mais oportunidades estarão disponíveis no caminho para alavancar esse processo.
As cidades brasileiras precisam de uma revolução na mobilidade, para reduzir as desigualdades, sem correr riscos.
As cidades brasileiras cuidam muito mal de seus habitantes, durante seus deslocamentos. A desigualdade é imensa na mobilidade urbana nas cidades do país. Isso reflete numa desigualdade de oportunidades. Com a atividade econômica concentrada nos centros, os habitantes das periferias são roubados de grande parte do seu tempo em deslocamentos. Segundo dados do Censo, mais de 1 milhão dos brasileiros perdem mais de 2 horas ao dia entre a casa e o trabalho1– tempo que poderia ser dedicado ao cuidado dos outros e de si próprio.
Essa desigualdade acaba alimentando outras. A população que passa mais tempo no trânsito respira mais velha, o que está previsto uma expectativa de vida: viver numa cidade poluída aumenta em 75% conforme as chances de um ataque cardíaco 2.A violência no trânsito também atinge de maneira desigual as fontes periféricas, neste país onde 30.000 pessoas morrem no trânsito por ano e cerca de 15% das internações por causas externas em hospitais públicos são de acidentes de trânsito. Além disso, quanto mais tempo passamos no trânsito, menos tempo sobra para a família, a casa, o lazer e os estudos.
A pandemia tende a agravar essas desigualdades, ao aumentar os riscos à saúde das pessoas que precisam se aglomerar no transporte público e criar incentivos para que mais carros particulares circulem, o que levaria a um aumento da violência e dos congestionamentos no trânsito. Outro efeito nocivo do aumento da frota de carros seria um agravamento das mudanças climáticas, que também afetam de maneira desproporcional os habitantes das periferias.
Esse cenário impõe a necessidade de repensar de maneira profunda todo o sistema de mobilidade urbana das grandes cidades brasileiras, com ações emergenciais que precisam ser adotadas imediatamente e também com a implementação planejada de uma nova lógica ao sistema todo, com veículos mais ágeis, circulando em corredores. Será preciso adaptar o transporte público aos novos riscos sanitários e ampliar frota de ônibus elétricos.
Outra necessidade inescapável é ampliar muito o deslocamento ativo, de bicicleta e o pé. Andar de bicicleta não é para todo o mundo, mas o benefício que elas geram é. Mais gente de bicicleta significa menos carro na rua, mais movimento nos comércios e negócios locais (mais ganhos para a economia) e mais saúde (redução de custos no orçamento). Por isso, políticas cicloviárias sólidas não devem ser vistas como políticas que favorecem poucos, elas proporcionam a promover uma cidade mais equilibrada. As calçadas também devem ser prioritárias – elas são chave para a segurança da mobilidade a pé, a mais frequente na rotina dos brasileiros, e para ampliar a acessibilidade da cidade, garantindo a todos o direito de ir e vir inválido, sem tentar.
Além disso, é impossível pensar a mobilidade de maneira isolada. Esse debate está intimamente conectado com um outro: o da descentralização das oportunidades. As administrações municipais têm um papel importante no incentivo às oportunidades de promoção longe do centro e ao trabalho remoto, diminuindo conforme o deslocamento.
Fique atento aos próximos meses, na medida em que começar a recuperação da pandemia. Devem surgir oportunidades de financiamento de associações internacionais para projetos urbanos. Esse financiamento muito provavelmente estará vinculado a obrigações climáticas e também a uma atenção às questões de raça e gênero. Não custa nada ter uma ideia na manga.
Transporte coletivo
É URGENTE aumentar a disponibilidade de ônibus para que eles fiquem mais vazios . Essa necessidade ficou ainda mais evidente com uma pandemia. Para o reduzir o risco de contágio, como as cidades do mundo estão atentas à higienização dos veículos, a limpeza dos filtros de ar e a obrigatoriedade do uso de máscaras nas espaços3. Também é crucial adotar medidas que melhorem a circulação dos ônibus, como faixas exclusivas e corredores. Frotas mais rápidas proporcionam aos usuários ônibus mais vazios e menos tempo de viagem dentro do coletivo.
É NECESSÁRIO redesenhar os sistemas de transporte público. Uma coisa inevitável que precisa ser feita é substituir o diesel por motores elétricos, para melhorar a saúde das cidades. De acordo com o Ministério da Saúde4, uma espécie de ar causa cerca de 50 mil mortes ao ano no Brasil, por doenças respiratórias e cardiovasculares. O ruído também gera problemas de saúde, como uma piora do sono e índices altos de ansiedade e depressão5. As pessoas que vivem nas periferias são afetadas de maneira desproporcional por esses problemas. Hoje, a frota elétrica de ônibus no país corresponde a apenas 0,003% da frota total. É possível mudar esse cenário: o BNDES, por exemplo, tem uma linha de crédito6para financiar a compra e produção de ônibus elétricos ou híbridos.A cidade chinesa Shenzhen conseguiu ter uma frota 100% elétrica e, na América do Sul, Bogotá já briga com Santiago pelo posto de cidade com a frota mais eletrificada.
UM DESAFIO: enfrentar a crise do setor de transportes. A situação financeira das empresas de ônibus foi afetada pela pandemia, e a redução da demanda por transporte coletivo fez o setor calcular um prejuízo de quase R $ 4 bilhões. A saída dessa crise precisa se dar com a melhora do serviço e diminuição do impacto ambiental.
UMA IDEIA: Tradicionalmente as cidades gastam muito mais com os usuários de automóvel próprio do que gastam com quem caminha, pedala ou usa transporte público. Esse desequilíbrio precisa ser corrigido. Muitas cidades do mundo estão financiando melhorias urbanas com taxas cobradas dos usuários de carros. Medidas como cobrança de pedágio para circular em áreas certas da cidade, cobrança de multas para motoristas que trafegam em faixas exclusivas de ônibus e redução das vagas públicas de estacionamento além de desincentivar o transporte privado, especialmente nas áreas onde o trânsito é mais problemático, podem ajudar a custear o transporte coletivo.
Mobilidade Ativa
É URGENTE incentivar deslocamentos seguros neste momento de pandemia. O distanciamento social é fundamental para parar o novo coronavírus. O risco de contaminação durante pedaladas e caminhadas é baixo, por isso esses hábitos precisam ser incentivados. Uma alternativa é a criação de ciclovias temporárias paralelas aos grandes fluxos de deslocamento. Um bom exemplo é o de Bogotá, na Colômbia, que já tinha 550 quilômetros de ciclovias – a maior rede da América Latina. Com a pandemia, a cidade disponibilizou mais 96 quilômetros para os ciclistas, com um custo baixo de implementação (apenas anterior aos cones de plástico).
É NECESSÁRIO pensar a rede cicloviária de forma integrada ao transporte público coletivo. As ciclovias podem facilitar a chegada das pessoas aos terminais de transporte de grande capacidade, um trajeto que é especialmente crítico para quem mora nas periferias. Não é justo que as pessoas percam tanto tempo esperando um ônibus para conseguir chegar às estações, ou para conseguir voltar para casa depois de sair de um metrô ou trem lotado, após um dia inteiro de trabalho. Uma solução simples é instalar bicicletários nos terminais de ônibus e nas estações de metrô e trem. Também vale incentivar a oferta de bicicletas compartilhadas e investir na instalação de ciclovias pela cidade inteira.A expansão da rede cicloviária é um caminho para gerar empregos 7, economizar dinheiro público 8, melhorar o trânsito e ofertar um meio de transporte mais barato 9para uma população.
UM DESAFIO: a lei brasileira normalmente responsabiliza o proprietário da casa pelo cuidado da calçada e cabe ao poder público apenas fiscalizar, coisa que geralmente não faz. O resultado são calçadas irregulares, cheias de procura e mal preservadas, o que é um problema grave de mobilidade. É importante procurar formas de melhorar as calçadas.
UMA IDEIA: cômodo a medir a proporção de mulheres crianças e entre os ciclistas . O ideal – e todas as cidades brasileiras estão bem longe dele – é que metade das ciclistas sejam mulheres e que haja muitas crianças pedalando. Isso é um indicador forte de que a cidade está segura para pedalar, e só assim com uma ciclovia terá impacto verdadeiro no trânsito e na vida da cidade.
Segurança na rua
É URGENTE reduzir a velocidade dos carros nas ruas. Mais de 1 milhão de pessoas morrem no trânsito todos os anos no mundo – sendo mais de 30.000 mortes só no Brasil. Para a Organização Mundial da Saúde, o Brasil é o país com pior classificação no quesito limite de velocidade. A organização fundamental para todas as cidades do mundo é de uma velocidade máxima de 30km/h em zonas residenciais e com grande circulação de pessoas e de 50km / h nas áreas urbanas. Medidas como essa são essenciais para salvar vidas e incentivar mais pessoas a pedalar, caminhar e circular pelas ruas.
É NECESSÁRIO que a infraestrutura da cidade seja capaz de proporcionar segurança . O risco de acidentes nas vias precisa ser reduzido, e, para isso, é fundamental melhorar e ampliar a sinalização e reforçar a manutenção do asfalto. Além disso, a segurança também é crucial para garantir acesso à cidade – uma pesquisa do Instituto Locomotiva revelou que 8 em cada 10 brasileiras se sente insegura ao andar sozinha, à noite. É importante mapear os pontos obrigatórios e verificar a necessidade de melhorar a iluminação pública ou de deixar a rua menos deserta, construindo praças e outros espaços públicos de convivência.
UM DESAFIO: as ruas brasileiras não são seguras para pedestres. Apesar de cerca de 20% dos deslocamentos no país serem feitos a pé, a péssima qualidade das calçadas brasileiras colocam cidadãs e cidadãos em risco, principalmente nas periferias, onde calçadas muitas vezes sequer existem. Cabe à administração pública reduzir o risco de quedas e atropelamentos e promover uma cidade mais acessível para pessoas idosas e com deficiência. É possível buscar soluções como a instalação de pisos táteis, a construção de rampas de acesso e a adequação da largura das calçadas. Um jeito simples de evitar acidentes, de gerar empregos e incentivar a mobilidade ativa.
UMA IDEIA: Cuidar das pessoas reduz o custo de manter a cidade. O custo de um trânsito violento é muito alto. Um estudo da OMS aponta que os acidentes de trânsito podem custar cerca de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) de países de baixa ou renda média, como o Brasil. Em Fortaleza 10, a estimativa é de que foram gastos cerca de R $ 590 milhões com acidentes de trânsito, apenas em 2017. Um gestor público que investe numa rua onde seja possível transitar com segurança, além de salvar vidas, zela pelo orçamento público.
IMAGINE O DIA em que, no final da manhã, quando acaba a escola, a rua se encher de crianças saindo da aula, a maioria com bicicletas, muitas a pé, muitas no ônibus. Elas vão sozinhas da e para a escola, liberando os pais para trabalhar, porque a calçada está cheia de gente da comunidade, e olhando da porta de seus comércios, ou circulando para lá e para cá. Há inclusive muitas mulheres, e onde há mulheres as crianças estão seguras. Isso é possível, com um outro sistema de mobilidade.
NÃO ESQUEÇA
Usufruir da cidade com qualidade e segurança não é um luxo. Discutir mobilidade é falar sobre sustentabilidade, justiça e saúde pública.
PIMENTEL-SOUZA, F. A sonora sonora ataca traiço fortemente o corpo. Na Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente (AMDA), Apostila “Meio Ambiente em Diversos Enfoques”, “Projeto Jambreiro”. AMDA, Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Secretaria Municipal da Educação, BH, p. 24-26. 1992
Estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Político-Econômica da Universidade de Massachusetts (PERI, em inglês) identificou que, para cada milhão de dólares investido em infraestrutura cicloviária, 11,4 postos de trabalho são criados. Ver mais em: Archdaily, Construir ciclovias gera mais empregos que criar infraestrutura para automóveis , 07/06/2015.
Um estudo conduzido na Nova Zelândia e publicado na revista científica Perspectivas de saúde ambiental revelados que, cada dólar gasto com a construção de ciclovias, as cidades podem economizar até 24 dólares com a redução de custos com saúde, população e tráfego.Ver mais em: The City Fix Brasil, A economia da bicicleta: criação de empregos e fomento ao comércio local , 25/07/2016.
Pesquisa realizada no Coppe / UFRJ identificou o custo do deslocamento com bicicleta é de R $ 0,121 / km, enquanto um automóvel movido a gasolina gasta R $ 0,763 / km. Ver mais em: O Eco, Andar de bicicleta é 6 vezes mais barato do que de carro , 26/10/2011.
Como cuidar da saúde das pessoas — e não só da doença.
Uma cidade saudável não é só questão de ter posto de saúde ou hospital. Claro que unidades de saúde são fundamentais na prevenção de doenças, no diagnóstico precoce e na vacinação da população, e o sistema precisa ser ampliado e melhorado. Mas uma cidade verdadeiramente saudável precisa de mais do que bom atendimento médico: é aquela que facilita e incentiva todo mundo, rico e pobre, a viver de maneira saudável.
Em bairros onde as pessoas andam muito a pé, há menos infartos1. Em lugares onde a comida é boa, os índices de câncer são menores. Em lugares onde há paisagens acolhedoras, com água limpa fluindo, os níveis de ansiedade e depressão melhoram2. Em espaços onde há menos motores a combustão, há também menos doenças respiratórias, da asma ao câncer3. Em lugares onde as pessoas se encontram, há mais senso de comunidade e ajuda mútua, que alivia o trabalho do Estado. E todo mundo fica mais feliz, porque a vida comunitária aumenta as taxas de felicidade4 mais do que dinheiro.
As cidades brasileiras são muito desiguais nas condições que oferecem para uma vida saudável. Os moradores das periferias respiram mais fumaça porque fazem percursos mais longos — em São Paulo a poluição mata dez pessoas por dia. Além disso, eles comumente convivem com esgoto a céu aberto: 47% da população brasileira não está conectada a rede de esgoto5. O tratamento dos resíduos sólidos também é insuficiente: metade do Brasil ainda tem lixões6. Para completar, os mais pobres têm menos acesso a espaços públicos bem cuidados e seguros, que estimulem a vida ativa ao ar livre, e previnem contra distúrbios mentais.
Reduzir essas desigualdades é urgente por uma questão de justiça, mas também porque uma cidade saudável precisa ser inteira saudável: afinal, a cidade toda está interligada pelo fluxo de pessoas. Não adianta ter os melhores hospitais do mundo no centro se falta saneamento básico na periferia. Embora os estados tenham grande responsabilidade por obras de saneamento, as cidades precisam assumir um protagonismo muito maior no tema.
A importância de ter cidades saudáveis aumenta muito em tempos de pandemia. É sabido que os índices de transmissão do Covid-19 são muito mais baixos ao ar livre7, portanto é urgente que o espaço público acolha grande parte da vida que costumava acontecer em ambientes fechados. Escolas, mercados, serviços de saúde e restaurantes podem precisar se espalhar pelas calçadas e ruas do entorno, para evitar aglomerações em espaços fechados. É fundamental que os gestores públicos saibam ajudar a operar essa reorganização do espaço.
A pandemia também reforça uma necessidade que já era urgente antes: a de oferecer água limpa no espaço público, pelo bem de todos. Outro item básico de uma cidade saudável são as áreas verdes — para o lazer, para a regulação térmica, para absorver as águas da chuva, atenuar os efeitos das mudanças climáticas e também para produzir alimento saudável e acessível.
Todas as cidades brasileiras, sem nenhuma exceção, têm graves problemas sanitários: prova disso é a dificuldade imensa de encontrar um único rio urbano que seja potável e apropriado para o banho. Não há solução mágica e rápida para esse problema sistêmico, mas há sim muito trabalho a ser feito por gestores públicos comprometidos com o cuidado das pessoas e dos espaços.
Saúde em tempos de pandemia
É URGENTE reformular os espaços ao ar livre para que eles possam receber usos diversos. A pandemia faz com que ambientes fechados sejam pouco recomendáveis. Serviços públicos podem ser oferecidos nas calçadas, onde há muito menos risco de contaminação. Algumas cidades estão convertendo trechos de ruas em escolas, outras estão permitindo que mercados ou restaurantes se espalhem pelas redondezas, para aumentar o distanciamento. Vale a pena olhar este relatório da Bloomberg Philantropies para se aprofundar na discussão sobre como preparar as ruas para a resposta e a recuperação da pandemia.
É NECESSÁRIO garantir que todo mundo na cidade tenha acesso fácil a água limpa. As cidades brasileiras têm sido negligentes nessa obrigação, nas últimas décadas. Fontes e banheiros públicos foram abandonados e poucas cidades facilitam a vida de quem quer se limpar, como se isso fosse um problema do indivíduo, não do Estado. Cidades do mundo todo, como São Caetano, na Grande São Paulo, estão instalando pias em terminais de ônibus8. No calor do Brasil, fontes convidativas seriam muito bem vindas.
UM DESAFIO: Falta o básico. Não é possível uma vida saudável sem saneamento básico. Infelizmente, metade do Brasil está desconectado da rede de esgoto e milhões não têm água tratada ou destinação adequada para seus resíduos sólidos. Essa é uma responsabilidade compartilhada entre governo federal, estados e municípios, mas o Instituto Água e Saneamento (IAS) defende que os municípios assumam o protagonismo, já que estão mais próximos do problema. Este relatório do IAS é um bom recurso para se aprofundar no tema. Lembre-se: todos os municípios têm o dever de cumprir os planos municipais de saneamento, e todas as câmaras de vereadores precisam fiscalizar sua execução.
UMA IDEIA: dar atenção especial à saúde da população idosa. A população com mais de 65 anos é o grupo etário que mais cresce no Brasil – vai dobrar em apenas uma década – e está sendo a mais afetada pela pandemia de Covid-19. Ficou claro que esse grupo precisa de cuidado – tudo na cidade precisa ser pensado com esse grupo em mente. A Organização Mundial da Saúde tem um guia para a promoção de cidades amigáveis para a população idosa, além de manter uma rede de mais de 800 cidades. Criar centros comunitários e facilitar atividades físicas ao ar livre são alguns exemplos baratos e efetivos para melhorar os índices de saúde física e mental entre os mais velhos.
A saúde do espaço público
É URGENTE regenerar o espaço público, tornando-o saudável, estimulante e seguro. Calçadas, praças e parques limpos e bem mantidos, em todas as regiões, são caminhos para a saúde física e mental da cidade. É importante pensar em espaços adequados para todas as faixas etárias. A Cidade do Cabo, na África do Sul, é referência em espaços públicos divertidos, para serem curtidos por crianças e adultos juntos, sem frescura.
É NECESSÁRIO preservar e ampliar as áreas verdes. Uma cidade arborizada é uma cidade com clima ameno, capaz de minimizar secas e enchentes e evitar as doenças respiratórias e cardíacas provocadas pelo ar sujo. Áreas verdes também reequilibram os ecossistemas, ajudando a combater pragas urbanas, como os mosquitos vetores de doenças9, que proliferam em ambientes desmatados. Aumentar as áreas verdes de uma cidade é medida essencial de adaptação às mudanças climáticas, para redução das ilhas de calor e melhora da drenagem em áreas totalmente asfaltadas.
UM DESAFIO: rios e mares são utilizados como esgoto. No Brasil, 70% das praias são impróprias para banho em áreas urbanas10. E uma pesquisa realizada pela ONG SOS Mata Atlântica mostrou que nenhum dos rios das nove bacias hidrográficas da Mata Atlântica, que abrangem 17 estados, têm qualidade de água ótima; apenas 6,5% têm água considerada boa, que só é encontrada em áreas preservadas11. O Brasil está assentado sobre água suja.
UMA IDEIA: plante uma farmácia. Vale a pena conhecer o programa Farmácia Viva, de criar pequenos jardins para fornecer remédio gratuito para a população pelo SUS, na forma de fitoterápicos.
Cidade alimentada
É URGENTE combater o desperdício de alimentos. A pandemia e o agravamento da crise econômica têm ampliado a dificuldade de comprar alimentos da cesta básica no Brasil. Ao mesmo tempo, cerca de um terço de toda nossa comida acaba no lixo. Os bancos de alimentos municipais são uma saída para transformar essa realidade, a partir da criação de uma rede de doações de alimentos, em que alimentos que seriam descartados nos mercados municipais e feiras livres são coletados numa ponta e, na outra, são distribuídos para famílias em condição de vulnerabilidade. O Banco de Alimentos da Prefeitura de São Paulo intensificou os pedidos de doação no início da pandemia e, entre março e maio de 2020, arrecadou 550 toneladas de alimentos — mais que as 338 toneladas arrecadadas em todo o ano de 2019.
É NECESSÁRIO trazer parte da produção de comida para a cidade e seus entornos, para garantir a segurança alimentar. Hortas comunitárias são uma boa ideia, com benefícios comprovados tanto para quem planta quanto para quem consome. Em Havana, as hortas urbanas cobrem 50% do consumo de hortaliças do país12, e o município ajudou os moradores da cidade a tornarem suas hortas rentáveis, criando canais para venda direta dos produtos nos mercados agrícolas. Outra ideia é ceder terra para agricultores orgânicos dispostos a produzir para as necessidades locais — merenda escolar ou comida para os hospitais, por exemplo.
UMA IDEIA: Comida grátis. A flora brasileira está cheia de espécies de plantas comestíveis. Espalhar árvores frutíferas pelo espaço urbano é um ato de gentileza com os habitantes.
UM DESAFIO: O feijão e arroz estão perdendo espaço no prato dos brasileiros para os ultraprocessados13 e o cardápio está pior entre os jovens. Se essa tendência não for revertida, ela resultará em gastos públicos com o tratamento de doenças crônicas no futuro – e em muito sofrimento. Gestores das cidades devem se aproximar de produtores rurais dos arredorespara estabelecer laços que ajudem a tornar frutas e verduras mais acessíveis.
UMA IDEIA: Comida grátis. A flora brasileira está cheia de espécies de plantas comestíveis. Espalhar árvores frutíferas pelo espaço urbano é um ato de gentileza com os habitantes.
IMAGINE O DIA em que será possível de novo nadar em todos os corpos de água natural da sua cidade. Parece inacreditável, mas tornar um curso d’água limpo é simplesmente questão de parar de sujá-lo, criando sistemas de tratamento de resíduos adequados. Ao longo das últimas décadas, algumas poucas cidades do mundo conseguiram fazer isso: em Copenhague, que já foi poluída, hoje dá para nadar em todos os rios, canais e até no porto. No calor do Brasil, a meta tinha que ser essa.
NÃO ESQUEÇA
Cuide da sua saúde também. Claro que não é fácil durante uma campanha eleitoral, mas tente dormir o suficiente, comer comida fresca com predomínio de vegetais e frutas, e beber muita água. Um bom hábito para o político local é caminhar: ajuda a entender os problemas da cidade pela escala humana, enquanto reduz as chances de doença cardíaca e se aproxima dos cidadãos e cidadãs.
Essa medida beneficia ainda mais a saúde mental das pessoas de baixa renda, que dependem mais das condições da vizinhança do que as classes mais altas, que tem outras opções de lazer. Ver mais em: Socientifica, Viver perto de áreas verdes reduz chance de transtornos mentais, 21/02/20.
Segurança: como preparar a cidade para enfrentar riscos, em tempos de mudanças no clima
As cidades precisam aprender a oferecer segurança e proteger seus habitantes, nestes tempos desafiadores que estão pela frente. Veremos nos próximos anos um aumento na quantidade e na intensidade de eventos extremos — ciclones, enchentes, secas, incêndios. Uma cidade resiliente precisa estar pronta para tratar essas emergências de modo que cause menos impacto na sociedade e que proteja seus cidadãos e cidadãs.
Manter as pessoas seguras, no século 21, tornou-se um trabalho de grande complexidade, que exige um corpo de servidores especializados, com conhecimento técnico, de várias áreas. Vai muito além de gerir forças armadas. Viveremos nos próximos anos eventos extremos como nunca vimos antes: tempestades, enchentes, secas, incêndios, epidemias. Veremos também combinações cada vez maiores entre esses eventos, com múltiplas ameaças se abatendo simultaneamente sobre as cidades e as pessoas. Os modelos feitos pelos cientistas são bem claros: cidades de todas as regiões do Brasil sofrerão com isso1. É inevitável.
O que pode sim ser evitado é a perda de vidas, o sofrimento humano e a disrupção social que esses eventos causarão. Qualquer gestão pública nestes tempos perigosos precisa estar focada em preparar sua cidade para os desafios que vêm aí — porque é certo que eles virão.
São tempos também de política inflamada, com muita raiva e polarização e de crise econômica, com pobreza e desemprego. E os índices de violência estão altíssimos. Nesse clima inflamável, é prudente que a gestão da cidade trabalhe para reduzir as tensões e promover o diálogo, abrindo canais de comunicação.
O cuidado do espaço público é uma política de segurança. Espaço limpo, bem iluminado, mantido com capricho atrai a comunidade para a rua e reduz a depredação e a violência. Estimular a vida comunitária — crianças brincando, vizinhança convivendo em harmonia, mães e pais na janela, comerciantes na porta dos seus negócios, pessoas caminhando — é um jeito de aumentar a segurança 2.
Envolver os habitantes, inclusive os jovens, em todas as decisões que lhes dizem respeito é fundamental para que essas políticas funcionem. Quando a população se apropria dos espaços o trabalho de promoção da segurança é compartilhado por toda a comunidade.
Adaptação climática
É URGENTE ter uma estratégia sólida e detalhada para lidar com desastres naturais. Toda cidade precisa mapear e monitorar suas áreas de risco, tendo em mente que o passado não serve mais de guia, já que os eventos estão ficando cada vez mais extremos, e portanto frequentemente temos que lidar com desastres que nunca aconteceram antes. É fundamental ter dados sobre os efeitos locais das mudanças climáticas. Também é crucial ter uma boa central de monitoramento da defesa civil municipal, para se antecipar a deslizamentos, enchentes e outros desastres naturais.
É NECESSÁRIO construir infraestrutura de proteção. Quando falamos de chuvas fortes e alagamentos, por exemplo, que assombram a maior parte das cidades brasileiras, uma medida de adaptação fundamental é criar formas de reduzir a velocidade e o volume da água em caso de chuvas fortes. Há medidas simples que ajudam a reduzir os riscos de deslizamentos, como a plantação de grama e capim nas encostas, pois as raízes ajudam a firmar o solo. Também é possível minimizar os alagamentos na cidade espalhando superfícies permeáveis pelo espaço urbano — se a água entra no solo, ela não arrasta as casas. Uma boa inspiração vem da China, onde cerca de 30 cidades assumiram o compromisso de se tornar “cidades-esponja”, substituindo grandes superfícies cimentadas por áreas verdes.
UM DESAFIO: parte dos danos nas cidades já são irreversíveis. Sessenta por cento do litoral brasileiro já sofre com erosão3, agravada pela ação humana. Além disso, há uma pressão constante para avançar sobre biomas como mangues e restingas, fundamentais na luta contra o avanço do mar. Cabe às gestões municipais a obrigação de conter o avanço de construções em áreas sensíveis.
UMA IDEIA: ensinar prevenção de riscos e resposta a desastres nas escolas. A Defesa Civil municipal do Rio de Janeiro leva palestras e oficinas técnicas para as escolas públicas e privadas da cidade e, usando jogos, ensina as crianças a identificar situações de perigo e a agir em casos graves, como incêndios.
Bairros seguros
É URGENTE trazer a população para perto. Um jeito é fortalecer canais de participação popular, ampliar a atuação das subprefeituras e conselhos de bairro. A gestão pública precisa ser capaz de se aliar à organização comunitária, para agregar saberes diversos – da guarda municipal à engenharia, passando por assistência social, saúde, educação e cultura. É importante que haja um processo coletivo de tomada de consciência pela população dos principais riscos no horizonte e dos melhores alternativas para lidar com eles.
É NECESSÁRIO cuidar do espaço público, para que ele convide a comunidade. A polícia é necessária para lidar com certos riscos, mas segurança pública é uma questão transversal muito ligada à construção de vizinhanças solidárias, engajadas num trabalho conjunto por segurança e bem estar.Esse processo pode ser estimulado por ambientes bem cuidados, sem tráfego pesado de veículos, com equipamentos públicos de alta qualidade, limpeza e iluminação adequadas. Quando há crianças brincando nas calçadas, mães e pais olhando pela janela, comerciantes esperando fregueses na porta e um senso de comunidade forte, no qual todo mundo se sente responsável pelo cuidado com a vizinhança, os riscos à segurança diminuem.
UM DESAFIO: a população tem pouca confiança no poder público. 51% dos brasileiros têm medo da polícia4, e mais de 90% acreditam que os políticos não são transparentes e que não pensam na população para tomar decisões5. O poder público precisa recuperar essa confiança, convidando a população a participar da gestão — que deve ser transparente e aberta.
UMA IDEIA: semeie a vida nos bairros, para deixá-los mais seguros. Uma inspiração é Medellín, sem dúvida um exemplo de sucesso na promoção da segurança na cidade, com drástica redução dos crimes violentos. O mérito está longe de ser só das ações policiais: a cidade buscou consolidar um projeto de modernização social e urbana. O governo local construiu mais bibliotecas e escolas do que delegacias, e isso foi crucial para mudar a dinâmica da violência6, engajando a juventude na ideia de cidadania. Um exemplo muito interessante são os Parques Biblioteca, que funcionam não só para receber atividades de leitura e debate, mas para a prática de diversas atividades, fortalecendo a formação e a participação política da comunidade.
IMAGINE O DIA em que as pessoas poderão viver nas cidades sem medo. Com isso, aumentam as taxas de confiança nas outras pessoas, que no Brasil hoje estão entre as mais baixas do mundo. Confiança é a base de comunidades felizes e prósperas – quando as pessoas confiam umas nas outras, surgem parcerias e negócios acontecem.
NÃO ESQUEÇA: Soluções verdadeiras para a segurança demandam paciência e visão de longo prazo. Só que o eleitorado está com medo e demanda soluções imediatas. Conciliar esse senso de urgência com a necessidade de começar uma construção lenta na direção certa vai demandar uma gestão transparente e participativa, na qual todo mundo sinta-se escutado.
Conteúdo revisado em 15 de dezembro de 2023.
PBMC, 2016: Mudanças Climáticas e Cidades. Relatório Especial do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas [Ribeiro, S.K., Santos, A.S. (Eds.)]. PBMC, COPPE – UFRJ. Rio de Janeiro, Brasil. 116p.
Esse é o conceito de “olhos da rua”, criado pela escritora Jane Jacobs no clássico do urbanismo “Morte e Vida de Grandes Cidades”.
Infraestrutura e planejamento: como cuidar da cidade para ela crescer certo
As cidades precisam de um novo modelo de crescimento, para continuar atraindo pessoas sem expandir de forma desenfreada, com uma infraestrutura que não destrua seus recursos naturais. Essa transformação demanda uma gestão eficiente do adensamento e uma lógica construtiva mais responsável.
Cidades são sistemas vivos. Elas têm um metabolismo: um fluxo de substâncias que circulam, alimentando seus processos. E, assim como uma árvore, ou um jardim, elas crescem, de maneira imprevisível, até certo ponto. Gerir uma cidade é cuidar desse processo complexo, zelando pelo bom funcionamento do metabolismo, e organizando os fluxos para que elas cresçam bem, sem destruir o ambiente a que pertence.
Hoje, no Brasil, as cidades estão crescendo mal. Elas vêm se expandindo sem parar, de forma desordenada. Esse tipo de crescimento pressiona tanto a infraestrutura da cidade — que passa a ter que expandir cada vez mais sua malha de transporte, água, esgoto e energia — quanto o ambiente ao redor, deixando vulneráveis áreas de preservação ambiental, mananciais e toda a biodiversidade.
As grandes cidades crescem de forma desenfreada, buscando recursos como água e matéria prima cada vez mais longe e gerando conflitos e escassez em outros territórios. Esse modelo tampouco é necessário: um estudo comparativo1 mostrou que, enquanto Atlanta abrigava 2,5 milhões de pessoas numa área construída de mais de 4.000 km² nos anos 1990, Barcelona acomodava a mesma quantidade de pessoas numa área 25 vezes menor, de apenas 160 km². Um exemplo prático para mostrar que é possível reduzir os impactos socioambientais causados pelas cidades ao planejá-las de maneira inteligente.
Para isso, é crucial encurtar os circuitos de produção e consumo, valorizando e respeitando os insumos locais e estimulando o desenvolvimento de novos modelos produtivos dentro da cidade, da agricultura ao reflorestamento comercial e nativo. Uma mudança de direção que demanda, por um lado, adensar a cidade para dentro, buscando aproveitar ao máximo a área já ocupada. Por outro, parar de devorar recursos cada vez mais distantes, transformando os resíduos já acumulados nas cidades em matéria-prima. Dessa maneira, é possível frear a expansão urbana destrutiva e regenerar as áreas verdes que cercam a cidade, para que ela volte a ser a fonte de água, ar e alimento.
Os governos municipais possuem grande potencial de atuação na sustentabilidade das construções e no planejamento do crescimento urbano. As prefeituras podem induzir e fomentar boas práticas por meio da legislação urbanística, do código de edificações, dos incentivos tributários e convênios com as concessionárias dos serviços públicos de água, esgoto e energia.
Adensamento
É URGENTE ocupar bem os vazios urbanos. Os espaços sem uso precisam ser melhor aproveitados, e uma alternativa é transformá-los em moradia popular. O Brasil tem 6 milhões de imóveis vazios e 6,9 milhões de famílias sem moradia adequada2. O mecanismo já é previsto na Constituição Federal: imóveis que não estão cumprindo a função social da propriedade podem ser notificados, cobrados de IPTU progressivo e desapropriados — e essa medida pode ser incluída nos planos diretores. Outra opção é dar uso aos térreos das edificações, a partir do incentivo à fachada ativa, aproximando o comércio e o serviço das moradias. Ambas as medidas ajudam a aproveitar melhor o espaço urbano, a gerar empregos e a reduzir as necessidades de deslocamento, e consequentemente o trânsito, ao aproximar moradia e trabalho. Em Paris, um dos pilares da campanha da prefeita reeleita foi defender a “cidade de 15 minutos”, onde será possível ter acesso a todos os serviços e atividades básicas a pé.
É NECESSÁRIO investir na recuperação de edificações. Há muitos imóveis antigos ou fora de norma nas cidades, que são extremamente dispendiosos. Uma saída é apostar no retrofit, para requalificar e modernizar esses edifícios, ao mesmo tempo em que se gera empregos.A Cidade do Cabo, na África do Sul, apostou no retrofit para reduzir os casos de tuberculose nas comunidades mais vulneráveis, e a saída foi renovar os telhados de 8.000 casas para minimizar o frio e a umidade. Os benefícios são significativos, e o próprio município pode fazer isso com imóveis públicos para melhorar a eficiência ou para dar novos usos a prédios vazios ou subutilizados, transformando-os em moradia popular ou outros equipamentos públicos.
UM DESAFIO: buscar recursos para a habitação. Uma saída é fortalecer fundos públicos para a habitação. É possível usar verbas da outorga onerosa (a taxa que construtoras pagam à cidade para construir edifícios além dos limites) para habitação social ou mesmo criar novos instrumentos, como a cota de solidariedade — que obriga que as construtoras de grandes empreendimentos destinem parte do terreno ou dos recursos para a moradia popular.
UMA IDEIA: aproveitar as lajes das casas para construção. Em Bogotá, a prefeitura lançou um plano para identificar os imóveis com potencial para ganhar segundos e terceiros pisos e incentivar proprietários a adequarem suas casas — podendo lucrar posteriormente com o aluguel desses novos andares construídos. A prefeitura oferece assessoria técnica para garantir a segurança, apoio financeiro e uma rede onde encontrar mão-de-obra qualificada. No Brasil, esse modelo já está previsto em lei, e é possível de viabilizar uma iniciativa parecida por meio da Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social (ATHIS). Só é importante atentar para a adequação legal das áreas de intervenção, que talvez precisem passar por regularização fundiária, e para a necessidade de realizar vistorias constantes, para garantir a segurança dos imóveis e dos moradores.
Construção sustentável
É URGENTE reduzir o uso de matéria-prima virgem. As cidades precisam parar de fazer uso predatório dos recursos naturais e se tornarem agentes de combate efetivo às mudanças climáticas. Estratégias de eficiência material podem proporcionar reduções de mais de 80% de gases poluentes e de mais de 35% de consumo de energia3. A prefeitura de São Paulo publicou recentemente um manual sobre o uso sustentável da madeira na construção civil, que mostra a importância de utilizar apenas madeira certificada ou de reflorestamento.
É NECESSÁRIO ter a natureza como aliada. Nossas cidades precisam mudar toda sua lógica construtiva, adotando infraestrutura verde e adequando seus projetos ao clima local e à orientação solar, para minimizar o consumo de energia e otimizar as condições de ventilação, iluminação e aquecimento naturais. Telhados verdes podem refrescar as cidades e aproveitar com mais eficiência sua insolação e seu espaço. Cidades podem também incentivar o melhor aproveitamento de recursos naturais, por exemplo oferecendo condições vantajosas de crédito para quem captar a energia do sol ou a água da chuva.
UM DESAFIO: a maior parte do descarte ainda vai para aterros ou lixões. Metade dos resíduos sólidos descartados vêm da construção civil, e quase nada é reaproveitado. Um jeito de olhar para esses números frustrantes é vê-los como uma oportunidade: significa que a cidade tem à disposição toneladas de materiais que poderiam ser melhor utilizados — e é possível incluí-los novamente no circuito incentivando práticas de economia circular. Além disso, é importante lembrar que é dever das empresas da construção civil a destinação correta dos resíduos de obras. A logística reversa é um dos instrumentos para fazer valer essa determinação, a partir da restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial para reaproveitamento ou outra destinação final adequada.
UMA IDEIA:o programa “hipotecas verdes” do México. Criado pelo Infonavit, um órgão do governo mexicano voltado à habitação, o programa consiste em crédito para todo mundo que queira investir em tecnologias verdes para suas casas. O dinheiro, emprestado em condições vantajosas, pode ser usado para investir em tecnologias que poupem materiais, água, luz ou gás. E o cidadão ganha depois, na redução da conta.
IMAGINE O DIA em que a vida da cidade deixar de produzir exclusão e destruição. Cidades são lugares de enorme abundância, mas de desperdício maior ainda. Depois de alguns mandatos de gestões municipais atentas, é possível reequilibrar esse metabolismo, cuidando para que cada processo da cidade ajude a alimentar algum outro, o que leva tudo ao equilíbrio.
NÃO ESQUEÇA: respeite a cidade como o sistema vivo que ela é. O trabalho do gestor não é impor seu olhar sobre a cidade, determinando seus usos, prevendo o que ela será no futuro. Um bom gestor é mais como um bom jardineiro, que fornece recursos, alimentos e espaço, mas deixa que a vida se expresse, sem querer controlar tudo.
International Resource Panel, 2020. No relatório: “Resource Efficiency and Climate Change: Material Efficiency Strategies for a Low-Carbon Future”. Os dados também foram incluídos no texto de recomendações: “Construindo sociedades resilientes após a pandemia da Covid-19”.
Orçamento público para uma cidade sustentável
Para mudar uma cidade, gestoras e gestores públicos primeiro precisam entender como funciona o instrumento mais poderoso que eles tem na mão: o orçamento público.
Nossas cidades precisam mudar. Prefeitas, prefeitos, vereadores e vereadoras eleitos este ano têm a oportunidade histórica de operar essa mudança, estabelecendo um rumo a ser perseguido. Para fazer isso, é preciso ter senso de urgência, mas ao mesmo tempo uma visão de longo prazo, sem a qual será impossível chegar em algum lugar. O instrumento fundamental para construir essa visão é o orçamento municipal, assunto pouco discutido, mas que gera muitas consequências.
Confira o material
O primeiro ano do mandato desses gestores e gestoras será fundamental para que essa mudança de rumo aconteça com a urgência necessária. Isso porque o primeiro ano do mandato é quando as Câmaras Municipais votam o Plano Plurianual (PPA), que define todas as grandes metas da gestão, dando as linhas gerais sobre as quais será traçado todo o orçamento que a prefeitura terá ao longo dos quatro anos. Grandes projetos e obras precisam estar no PPA para poderem acontecer.
Na negociação das prioridades do plano, é absolutamente certo que haverá pressão forte para que as cidades continuem como estão — a força mais implacável na gestão pública é a inércia. Há uma tendência a repetir soluções paliativas que já não funcionam e custam caro, comprometendo o orçamento sem trazer grandes impactos. Quem quer mudar a cidade profundamente precisa estar atento em 2021, para garantir que a mudança de paradigma que se faz necessária na gestão pública esteja prevista no PPA.
Além do PPA, o orçamento se expressa em outras duas leis, essas aprovadas todos os anos: a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) – a primeira define as regras e prioridades do orçamento de cada ano, a segunda estima custos e receitas.
Prefeitas, prefeitos, vereadores e vereadoras que querem deixar sua marca precisam estar atentos a esse processo. Diz-se que a prefeitura é a dona do cofre, mas a Câmara é que têm a chave. Se elas não conseguirem trabalhar juntas, nada vai acontecer.
Não serão tempos fáceis, com os orçamentos públicos sendo picotados diante da crise econômica. Mas os governos que souberem pensar estrategicamente e tiverem gente competente buscando pelo mundo oportunidades de financiamento vão conseguir se aproveitar de uma grande diversidade de novas fontes de recursos, nacionais e internacionais.
MUDANÇAS CLIMÁTICAS
É URGENTE mudar o jeito de ver as coisas. Por exemplo: diante do risco cada vez maior de enchentes cada vez mais perigosas, muitas cidades, ligadas no piloto automático, fazem grandes obras como “piscinões”, para conter parte da água e dar um alívio no problema. Mas o piscinão, além de desqualificar o espaço público, gera um problema ambiental adicional, concentrando poluição, desequilibrando o ambiente e atraindo mosquitos e outras pragas. Esse é só um exemplo de “solução” que não resolve o problema e custa caro para fazer e para manter. O PPA pode ser uma chance de planejar uma mudança de paradigma, que implique em repensar o ordenamento urbano. A retomada da economia pós-pandemia é uma oportunidade de fazer diferente e alocar os recursos municipais para mudar o que está errado em nossas cidades. É possível fazer mais ao fazer melhor.
É NECESSÁRIO estruturar bons planos municipais para lidar com saneamento, desastres naturais, regeneração de áreas naturais, mobilidade verde, resíduos sólidos e desenvolvimento verde. Esses planos que utilizam o orçamento de forma mais sustentável e eficiente precisam alimentar o PPA e dar a rota para novas realizações. Há bons planos que podem servir de inspiração: o Estado de São Paulo desenvolveu um modelo para construir cidades resilientes, voltado para a resposta a desastres naturais, e foi premiado pela ONU em 2014. Essa iniciativa rendeu frutos no Estado todo: São José do Rio Preto desenvolveu um plano de resiliência para ser colocado em prática em quatro anos e Campinas recebeu o Prêmio Sasakawa em 2019 por ter demonstrado aproximação com a comunidade, forte liderança local e participação ativa de todos os coletivos vulneráveis nos trabalhos de mensurar e reduzir os riscos de desastres.
UM DESAFIO: muita urgência e pouco dinheiro. Serão anos de aperto orçamentário e muitos problemas para resolver. Então ideias que gerem receitas ou economias tendem a ser as mais populares. Uma boa aposta é substituir grandes obras que cobrem a cidade de cimento por ações mais descentralizadas, que geram oportunidade e emprego para bastante gente. Por exemplo, em vez de construir um enorme conjunto habitacional, por que não investir na recuperação de vários edifícios para a promoção de moradia popular em toda a cidade?
UMA IDEIA: dedique seu tempo a pesquisar fontes de financiamento em 2021. No Brasil, estamos vivendo um momento difícil de desmonte das políticas públicas para o clima, mas é importante atentar para as portas que estão se abrindo. Há centenas de oportunidades de financiamento que não estão sendo exploradas em todo seu potencial e que podem ser acessadas internacionalmente, nacionalmente ou mesmo localmente, via emendas parlamentares. Alguns exemplos para mostrar que é possível: Fortaleza conseguiu financiamento junto ao Banco Mundial para colocar em prática um projeto de desenvolvimento urbano sustentável; e a cidade do Rio de Janeiro tem despontado como liderança climática e desenvolvendo planos em parceria com organizações internacionais como ONU-Habitat e Unicef. É importante montar uma equipe que domine esse tema e que possibilite um posicionamento estratégico frente a essas oportunidades.
IMAGINE O DIA em que a população das cidades se apropriar do orçamento público, participando de sua elaboração, compreendendo seus critérios e acompanhando sua execução. Dar transparência ao gasto público não é positivo apenas porque evita malversação, mas também porque atrai os cidadãos para perto e torna-os parceiros no trabalho coletivo de cuidar da cidade.
NÃO ESQUEÇA: a crise econômica, a crise ambiental e a crise sanitária demandam ação imediata. 2021 é um ano crucial para destinar recursos para lidar com todos esses problemas sistêmicos. O que não for planejado agora pode acontecer tarde demais.
Conteúdo revisado em 15 de dezembro de 2023.
Gênero e raça: como criar cidades para todo mundo
As cidades brasileiras são muito injustas. Torná-las mais inclusivas e distribuir melhor as oportunidades é fundamental para deixá-las mais resilientes diante das graves crises que se impõem – no clima e na saúde.
Nossas cidades estão enfrentando os efeitos negativos de dois grandes eventos: as mudanças climáticas e a pandemia. Essas duas crises têm em comum o fato de que atingem de maneira desproporcional as mulheres, principalmente as negras, indígenas, quilombolas e outros grupos marginalizados. É entre as mulheres, principalmente as mais pobres, que o desemprego provocado pela crise sanitária é maior, assim como o acúmulo impossível de tarefas1. Elas também integram os grupos mais vulneráveis às crises climáticas, e as que têm menos acesso a medidas de adaptação2.
Confira o material
Não é justo que o maior preço a pagar pelas mudanças climáticas seja mais alto a depender do gênero, da raça ou da classe. Até porque esses grupos vulneráveis já vinham pagando um preço mais alto que os outros. Mulheres, principalmente negras, indígenas, quilombolas, LGBTQI+ e outras minorias sociais já têm muito menos acesso à cidade. Suas oportunidades de aprendizado, de renda, de oferta de serviços, de conexões, de realização, de cuidado, de bem estar nos nossos espaços urbanos são mais limitadas que a de homens, especialmente brancos.
Na origem dessa desigualdade está um desequilíbrio na divisão do trabalho. No mundo todo, mulheres fazem dois terços do trabalho remunerado de cuidado — em funções como enfermeira, professora, e também empregada doméstica, cozinheira —, e três quartos do trabalho não remunerado de cuidado, zelando pela casa, pela família e pela vida de crianças, de doentes, de idosos3. A economia não valoriza esse trabalho, sem o qual a vida em sociedade seria impossível. É dessa desvalorização que vem a injustiça das nossas cidades.
Corrigi-la requer um olhar novo sobre basicamente tudo. As cidades têm que se reorganizar para distribuir de forma mais equilibrada as oportunidades, os serviços e os recursos, hoje mais concentrados nos centros, o que impõe sérios riscos à população que hoje vive nas periferias4. O sistema de mobilidade precisa ser em rede, conectando tudo, e não radial como é hoje, conectando apenas o centro com as bordas. E o espaço público precisa ser cuidado com capricho, para ser convidativo e seguro. Hoje as mulheres sofrem com uma imobilidade urbana extrema, imposta por um território hostil: 86% das mulheres brasileiras já sofreram assédio no espaço público5.
Criar políticas para incluir essas pessoas é bom para a cidade toda. É por isso que qualquer cidade precisa buscar constantemente dois objetivos: a inclusão socioeconômica dos grupos mais vulneráveis e uma divisão mais igualitária do trabalho de cuidado entre as pessoas, no núcleo familiar, e também entre o individual e o coletivo.
Inclusão socioeconômica
É urgente criar oportunidades de trabalho para mulheres. A crise agravada pela pandemia fez o desemprego disparar no Brasil, e os grupos mais afetados são mulheres e negros. O desemprego nesses grupos ultrapassou 16% em outubro de 2020, uma taxa muito mais alta que entre homens brancos, que está em torno de 11%, de acordo com dados da Pnad Covid6. Em Salvador, um programa da prefeitura está focado em capacitar mulheres para trabalhar na construção civil, além de dedicar espaço a ações de capacitação e formação empreendedora especificamente para mulheres negras.
É necessário investir no empreendedorismo. Um levantamento mostrou que 82% das pessoas negras empreendedoras não têm CNPJ no Brasil7. E são justamente esses homens e mulheres e suas pequenas empresas que mais estão sentindo a crise nesta pandemia8. Na cidade de São Paulo, a prefeitura tem investido em uma aceleradora de negócios nas periferias, com capacitação, mentoria e investimento em empreendedores que querem alavancar seus negócios digitais. Também é necessário investir diretamente nas mulheres9, apoiando seus projetos e iniciativas como o Encontro Nacional de Mulheres Negras Empreendedoras e Empresárias, que teve sua primeira edição este ano.
Um desafio: as cidades ainda são espaços violentos para mulheres. As mulheres são vítimas recorrentes de diversos tipos de violência, seja no espaço público10 ou no âmbito doméstico, em suas casas. As mulheres indígenas do Rio Negro têm se articulado para lutar contra a violência de gênero: não houve um dia sequer sem um caso de violência contra a mulher em São Gabriel da Cachoeira, município mais indígena do Brasil, nos últimos 10 anos. É fundamental investir em redes de proteção e acolhimento e na independência financeira de mulheres. Além disso, é preciso avançar na construção de um espaço público seguro, onde as mulheres possam circular sem medo11. A prefeitura de Fortaleza tem atuado no combate ao assédio no transporte coletivo, com campanhas de conscientização, capacitação de funcionários e flexibilização dos pontos de ônibus à noite, para que as passageiras possam desembarcar nos locais que considerem mais seguros.
Uma ideia: leve a perspectiva feminina para posições chaves da gestão. É impossível avançar na construção de uma sociedade inclusiva sem que existam mulheres tomando decisões que são essenciais para a vida da cidade: em áreas como mobilidade, desenvolvimento urbano, saúde, empreendedorismo, cuidado do espaço público. Em 2014, Lima sediou a principal conferência climática das Nações Unidas, e lá foi instituído um programa específico para avançar na representatividade de mulheres em cargos de liderança, alinhado às diretrizes do Acordo de Paris. Mas é possível fazer mais a cada gestão: cabe a todas as pessoas eleitas construir equipes diversas, com equidade de gênero e raça.
Compartilhamento do trabalho de cuidado
É URGENTE dividir de maneira mais justa o trabalho do cuidado. Hoje ele recai quase todo sobre as mulheres, especialmente sobre as mais pobres. As cidades têm um papel fundamental de compartilhar parte desse trabalho, oferecendo estruturas coletivas de cuidado: creches, escolas abertas em horários generosos com ampla oferta de atividades, tanto para crianças quanto para as famílias. A Prefeitura de Fortaleza, por exemplo, dobrou o número de vagas em creches entre 2012 e 2019, criando uma rede de creches terceirizadas. Outra coisa que as cidades podem fazer é dar incentivos para que homens e mulheres dividam melhor o cuidado da família: flexibilizando horários de trabalho, facilitando o trabalho remoto, oferecendo a alternativa de licença-paternidade para casais que compartilharem o cuidado.
É NECESSÁRIO construir as bases de uma rede de cuidado ampla, excelente e universal. A pandemia escancarou a desigualdade do acesso ao cuidado que vivemos hoje no Brasil. Os dados mostram que a Covid-19 é mais letal nas periferias12, e a população negra é a que está mais exposta e que mais morre em decorrência do vírus. Mas essa crise não é de hoje: a população negra também é a que menos pode contar com serviços de saúde13 e é a que mais apresenta doenças associadas à saúde mental14. Esse cenário expõe as deficiências do sistema, que não valoriza adequadamente enfermeiras e outros profissionais da saúde, além de sobrecarregar, dentro das casas, principalmente as mulheres negras. Uma forma de lidar com o problema é fazer como Porto Alegre, que tem programas voltados especificamente para a saúde da população negra. A desigualdade da educação pública também é profunda, e afeta gravemente as periferias15. Para contornar essa situação durante a pandemia, cidades como Belém começaram a transmissão de aulas pela TV, em vez de focar na internet, para garantir que todos os estudantes tivessem acesso ao conteúdo transmitido remotamente.
UM DESAFIO: o trabalho de cuidado é muito desvalorizado. Quando o poder público não valoriza o trabalho realizado por profissionais da saúde, educação e do serviço social, dificilmente outras formas de cuidado serão valorizadas e respeitadas.Isso fica evidente na maneira como as cidades brasileiras lidam com o trabalho doméstico, um serviço essencial para a sobrevivência de boa parte da população, mas mal remunerado e muito precarizado. O Brasil tem mais de 7 milhões de mulheres trabalhando como domésticas, mais que qualquer outro país do mundo, e 80% dessa força de trabalho é negra16, taxa mais alta do que em qualquer outra profissão exercida no país. Essa força de trabalho é tão importante que, durante o isolamento, na pandemia, várias cidades a consideraram uma ocupação “essencial”. Se é essencial, não poderia ser tão precário. Este relatório produzido pela ONU recomendou a adoção de medidas de proteção às trabalhadoras domésticas como subsídios e transferências de renda, protocolos de saúde e segurança, fomento à formalização do trabalho e formação digital e financeira.
UMA IDEIA: criar uma rede de mobilidade que favoreça o trabalho de cuidado. A forma como as mulheres se deslocam pelas cidades reflete muito como se dão os circuitos do cuidado, que demandam uma série de atividades ao longo do dia para além do trabalho, como idas ao supermercado, acompanhamento de crianças nos trajetos para a escola e dos idosos em atendimentos de saúde17. Mas as cidades não contemplam essa especificidade. Em São Paulo, o sistema de Bilhete Único permite viagens múltiplas: é possível fazer até quatro viagens dentro de um período de três horas pagando apenas uma única passagem; também há a opção de pagar um valor fixo mensal para usar o transporte público quantas vezes forem necessárias18.
UMA DICA: monitore a proporção de mulheres e crianças entre os ciclistas e aja para aumentá-la.O transporte ativo é bom para a saúde, melhor em termos de proteção na pandemia e mais adequado para deslocamentos constantes. No entanto, andar de bicicleta no Brasil é muito perigoso, e acaba sendo um modal que só atrai públicos menos vulneráveis – em São Paulo só 6% dos ciclistas são mulheres. Nos Estados Unidos, mulheres são 25% dos ciclistas, na Alemanha são 49%, e nos países com estrutura cicloviária realmente boa, como os da Escandinávia e a Holanda, mulheres são 55% de quem pedala19. As cidades devem trabalhar para dar segurança às rotas ciclísticas de maneira a aumentar constantemente esse indicador.
IMAGINE O DIA em que cuidar das crianças de uma cidade será uma responsabilidade compartilhada pela cidade toda. É como diz o ditado do povo yorubá, na África: precisa de uma aldeia para criar uma criança. É do interesse de todos na cidade que ela se torne um lugar onde as crianças cresçam bem, inclusive porque nada tem mais valor para a economia do que o capital humano, que é o potencial de cada pessoa de gerar riqueza. Ao delegar quase que exclusivamente às mulheres esse trabalho essencial para a continuidade da vida, quase sem ajuda alguma, nossa sociedade limita injustamente a realização que as mulheres conseguem atingir em outras esferas da vida.
IMAGINE O DIA em que o cuidado será uma responsabilidade compartilhada pela cidade toda. Os serviços de saúde, educação e acolhimento serão distribuídos de forma equilibrada por todos os bairros, e não haverá pessoas sobrecarregadas com o trabalho de cuidado. Também não haverá pessoas desproporcionalmente afetadas pelas crises que tivermos que enfrentar, e todo mundo terá acesso aos recursos e às condições necessárias para contornar os desafios que se apresentarem. Será prioridade da cidade cuidar de todas as pessoas que a habitam, para que elas possam crescer, se desenvolver e prosperar, junto com toda a comunidade.