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Elas Votam: uma conversa política entre mulheres.

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Essa trilha é uma conversa entre mulheres sobre política. Vamos falar mais sobre o voto, sobre o sistema eleitoral e outros assuntos que ajudem mulheres eleitoras a tomarem decisões mais conscientes e informadas, fortalecendo a democracia brasileira.

Setembro 30, 2022. Por Im.pulsa

Candidaturas laranjas: O que são e como funcionam? 

Por Nicole Brito

De acordo com a União Interparlamentar (UIP), o Brasil está posicionado no 142° lugar no quadro de participação política feminina, dentre 192 países. Em relação à esfera legislativa, a UIP observou que as mulheres ocupam 15% das cadeiras na Câmara dos Deputados e 12,4% no Senado Federal. Tal cenário evidencia as relações desiguais de gênero, uma vez que, embora as mulheres sejam maioria do eleitorado brasileiro (52,65%), observamos muitos obstáculos a serem enfrentados no que diz respeito à participação política feminina na esfera institucional. Contudo, essa conjuntura foi e é bastante tensionada ao longo da nossa história, sobretudo pela intensa mobilização do movimento feminista. 

A professora de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Marlise Matos, mostra diversas medidas que foram criadas com a finalidade de despatriarcalizar o Estado brasileiro. A despatriarcalização do Estado diz respeito às ações e mecanismos que visam combater o sistema de dominação masculina dentro do próprio Estado. Entre essas ações, Marlise Matos cita a criação do sistema de cotas destinadas às mulheres no processo de candidaturas eleitorais, em 1995. Inicialmente, foram destinados 20% para reserva de candidaturas femininas, no mínimo. Em 1998, esse percentual subiu para 25% e, em 1997, alcançamos o percentual mínimo de 30%. Além disso, em 2018, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estabeleceu que ao menos 30% dos recursos do Fundo Eleitoral e do tempo de propaganda na televisão e no rádio fossem destinados às mulheres.

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Não há como negar a importância da criação do sistema de cotas em nosso sistema eleitoral. Contudo, ao analisarmos mais a fundo a sua efetividade, nos deparamos com alguns impasses. Dentre eles, está um fenômeno que vem ganhando destaque nos últimos anos, as candidaturas laranjas. A categoria “laranja” diz respeito a um termo pejorativo, que indica algo ilícito. Neste sentido, as candidaturas laranjas se referem às candidaturas que são ocupadas no papel, mas que, na verdade, não são exercidas pela própria pessoa. Na prática, então, vemos muitas candidaturas que são ocupadas por mulheres, a fim de cumprir a cota de gênero, mas que são usadas como “laranjas”. Tais candidaturas ocorrem para beneficiar outros candidatos, por meio do desvio de dinheiro dos recursos eleitorais e, muitas vezes, para assegurar a cota mínima, evitando que o partido seja penalizado.

Não há como entender esse fenômeno sem ter um ponto central de análise: a dimensão de gênero. Esse argumento pode ser justificado, quando analisamos os dados sobre tais candidaturas. Um artigo feito por Kristin Wylie, Pedro dos Santos e Daniel Marcelino, da James Madison University, da College of Saint Benedict and Saint John’s University e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, respectivamente, mostra que, entre 1994 e 2014, enquanto o percentual estimado de candidaturas laranjas de homens é de 12%, o de mulheres é de 34,7%. Além disso, eles nos apresentam que 13,1% do total de candidaturas em partidos de esquerda são classificadas como “laranjas”, enquanto que, para os partidos de direita, esse percentual é de 17,2%.

Ao analisarmos somente as candidaturas laranjas de mulheres, o estudo aponta que 42,8% das candidatas são “laranjas” em partidos de esquerda. Já nos partidos de direita, esse valor é de 51,7%. Dessa forma, os dados nos mostram que o fenômeno das candidaturas laranjas se observa, majoritariamente, nas candidaturas femininas e nos partidos classificados ideologicamente como de direita. 

As candidaturas laranjas podem ser identificadas a partir da percepção da competitividade nas eleições, ou seja, quando determinada pessoa candidata recebe poucos ou nenhum voto. Por exemplo, de acordo com a Organização Transparência Partidária, nas eleições municipais de 2020, 2.221 candidatos(as) não receberam nenhum voto. A suspeita de candidaturas laranjas, no entanto, só pode ser efetivamente confirmada pelo TSE, após as eleições. Além disso, uma outra forma de reconhecimento diz respeito à ausência de declaração de gastos de campanha e, até mesmo, o pedido de voto feito pela própria pessoa candidata a outros candidatos, que estão pleiteando o mesmo cargo.

Violência Política de Gênero

Nesse fenômeno, as mulheres usadas como “laranjas”, muitas vezes, não sabem que estão sendo candidatas, como podemos observar no depoimento de Lúcia Maria Ferreira da Silva, divulgado pela revista VEJA, em 2010:

“Eles disseram que eu só iria encher o partido. Só precisavam dos meus dados para fazer o número. Não me disseram que eu seria candidata a deputada federal”.

Roberta Laena, em seu livro “Fictícias: candidaturas de mulheres e violência política de gênero”, considera as candidaturas fictícias de mulheres, aquilo que nós chamamos aqui de candidaturas laranjas, como uma das expressões de violência política de gênero. A autora as classifica em três tipos: candidaturas involuntárias, candidaturas induzidas e coagidas e, por fim, candidaturas voluntárias. Em relação ao primeiro tipo, Roberta Laena afirma que se refere ao desconhecimento da candidatura. Já o segundo diz respeito a um consentimento viciado, uma vez que a liberdade e autonomia das candidatas são retiradas; e o terceiro tipo se divide em aliadas e estrategistas, que se candidatam com o objetivo obter licença remunerada e para repassar verba pública.

A autora analisa que tais candidaturas se enquadram na definição de violência política de gênero, elaborada pela da Organização dos Estados Americanos (OEA), na Lei Modelo Interamericana para Prevenir, Sancionar e Erradicar a Violência contras as Mulheres na Vida Política, em 2017, que define como “ação, baseada em gênero, que tem por objetivo ou resultado prejudicar ou anular o gozo ou exercício de seus direitos políticos”.

Entretanto, na legislação brasileira sobre violência política contra a mulher, a Lei n° 14.192/21 não aponta nenhum enquadramento dessas candidaturas como uma manifestação desse tipo de violência. Algumas lacunas na referida lei já foram apontadas por pesquisadores, a exemplo do Relatório 2020-2021 de Violência Política contra a Mulher, feito pela Transparência Eleitoral Brasil. Dentre elas, podemos listar a falta de referência às diversas manifestações, aos tipos de violência política, seus agentes e suas vítimas.

Fraude eleitoral

As candidaturas laranjas se enquadram como fraudes eleitorais e suas consequências se referem ao crime de falsidade ideológica, como exposto no Artigo 350, do Código Eleitoral, Lei n°4.737. Além disso, o TSE faz a cassação dos direitos políticos de tais candidaturas e de todos os envolvidos na coligação, como também retém os valores do Fundo Partidário. O desvio dos recursos financeiros das candidaturas é, ainda, considerado crime, com pena que pode variar entre dois e seis anos. 

Para além dos efeitos no que tange à punição na esfera criminal, o fenômeno das candidaturas laranjas incide, diretamente, na representatividade política feminina e no próprio regime democrático de nosso país. Um importante autor sobre a democracia, Robert Dahl, expõe que duas das setes instituições necessárias para esse regime político dizem respeito às eleições livres e justas e o direito de concorrer a cargos eletivos.

Observamos, ao longo desta guia, que a participação política feminina está em xeque. Quando analisamos os dados das candidaturas laranjas, constatamos que os direitos de pleitear, de maneira justa, as eleições fica, evidentemente, ameaçado, a partir do momento em que elas são capturadas violentamente para sustentar o sistema patriarcal, fortemente intricado na política institucional. Nesse sentido, o que vemos é que as mulheres são limitadas em seus direitos, com a finalidade de sustentar a ideia de que a política é um espaço masculino e de virilidade. Afinal, nesse fenômeno, as mulheres são captadas apenas para preencher a cota, enquanto que os homens são vistos como aqueles que possuem alta competitividade eleitoral e que, portanto, são sempre recrutados pelos partidos a pleitearem cargos políticos.  

É fundamental que entendamos esse fenômeno, sempre analisando a perspectiva de gênero, mas sem perder de vista que tal quadro é ainda mais desafiador para mulheres negras. Ou seja, é necessário que compreendamos as especificidades dessa forma de violência política de gênero, a partir de uma perspectiva política feminista, que coloca, no centro do debate, elementos cruciais, como as desigualdades de gênero e raça na esfera pública.

Sobre a autora: Nicole Brito é licencianda em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e faz parte do Laboratório de Estudos sobre Políticas, Eleições e Mídia (LEPEM-UFC). É pesquisadora voluntária na área de Comunicação Política e Opinião Pública na ONG #ElasNoPoder e professora de Sociologia no cursinho de Educação Popular, do Projeto Novo Vestibular, na UFC.

 


Referências

https://www.cnnbrasil.com.br/politica/brasil-e-142-na-lista-internacional-que-aponta-participacao-de-mulheres-na-politica

https://www.worldbank.org/pt/news/opinion/2022/05/05/pouco-progresso-para-as-mulheres-na-politica-no-brasil

https://www.scielo.br/j/cpa/a/ZThn9C6WZM8tpMhN3BWM4Qp/?format=pdf&lang=pt

https://www.scielo.br/j/op/a/HM5XsTP4S8dsGmLgdrqd6fq/?format=pdf&lang=en

https://g1.globo.com/google/amp/jornal-nacional/noticia/2020/11/30/eleicoes-de-2020-tem-candidatos-que-nao-receberam-nenhum-voto.ghtml

https://www.anpocs.com/index.php/papers-38-encontro/gt-1/gt39-1/9208-teoria-democratica-contemporanea-o-conceito-de-poliarquia-na-obra-de-robert-dahl/file

https://www.unwomen.org/sites/default/files/Headquarters/Attachments/Sections/Library/Publications/2021/Women-in-politics-2021-en.pdf

https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Julho/brasil-tem-mais-de-156-milhoes-de-eleitoras-e-eleitores-aptos-a-votar-em-2022-601043

http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2021/06/OnuMulheres_VPCM_NEWSLETTER-03_v09062021.pdf

https://transparenciaeleitoral.com.br/2021/12/02/relatorio-de-violencia-politica-contra-a-mulher/

https://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/codigo-eleitoral-1/codigo-eleitoral-lei-nb0-4.737-de-15-de-julho-de-1965

Im.pulsa

Plataforma aberta e gratuita para inspirar, treinar e conectar mulheres, auxiliando-as a superar desafios políticos e produzir campanhas vencedoras. Oferece formação política para mulheres por meio de produtos práticos com linguagem acessível e afetiva. A Im.pulsa é feita por e para mulheres.